Se o objetivo da visita do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, ontem, era explicar a proposta de reforma da Previdência do governo, o plano ficou pelo caminho. Depois de mais de seis horas de audiência pública, os destaques foram os inúmeros bate-bocas com parlamentares. A audiência acabou por volta das 20h30, quando o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) disse que o ministro é “tigrão” com aposentados, mas “tchutchuca” quando mexe com os mais privilegiados do país.
Ofendido, Guedes respondeu na mesma moeda: “Tchutchuca é a mãe, é a avó”. E exigiu respeito. Em seguida, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), encerrou a sessão. Esse foi apenas um dos embates de ontem. Ao longo do dia, o ministro se desentendeu com deputados ao dizer que quem não concorda com a necessidade de uma reforma da Previdência “precisa ser internado”, e quando questionou se eles “têm medo de cortar a aposentadoria dos militares”, por exemplo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lamentou o desfecho da audiência e teme que a relação entre Guedes e o Parlamento fique estremecida, porque o economista tem sido um “bom canal de diálogo” com a Casa. O deputado disse que o ministro “não está acostumado” com a política da cidade, onde há “provocação e críticas mais contundentes”.
Privilégios
Durante os momentos em que não protagonizou discussões, Guedes insistiu que o objetivo da reforma da Previdência é cortar privilégios. Para ele, o sistema atual está “condenado”, e o modelo de repartição adotado pelo Brasil, em que os trabalhadores da ativa pagam pelos benefícios de quem está aposentado, é “perverso” — como reforçou o ministro oito vezes só na primeira fala.
“É um avião partindo para alto-mar sem combustível”, definiu o chefe da equipe econômica. Depois, ele disse aos deputados contrários à reforma que, se quiserem, “embarquem seus filhos no avião em que vocês estão”. Entre vaias, alguns parlamentares alegaram que, se dependesse do ministro, o Brasil se tornaria o Chile — país que adotou um sistema de capitalização há décadas, mas não garantiu uma renda mínima aos aposentados. “Acho que a Venezuela está melhor”, ironizou Guedes.
Passada a briga, ele explicou que o sistema de capitalização brasileiro não será como o chileno, porque é possível adotar um “Imposto de Renda negativo”, que seria aplicado se alguém chegar à aposentadoria sem ter acumulado o suficiente para receber um salário mínimo mensal. “Pode sempre botar uma camada adicional de repartição”, defendeu o economista. Pelo modelo de capitalização, cada pessoa é responsável pela própria aposentadoria, em uma espécie de poupança individual.
BPC
Além da capitalização, um dos pontos mais questionados pelos parlamentares foi a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda. Guedes garantiu que o valor não será abaixo de um salário mínimo (hoje, R$ 998) e que a reforma apenas “deixa a porta aberta” para antecipação do benefício. Na PEC, o governo propõe que o BPC comece a ser pago a partir dos 60 anos, mas, até os 70, o valor seria de R$ 400 mensais. Atualmente, os beneficiários recebem um salário mínimo por mês quando completam 65 anos.
Outro item questionado foi a retirada das regras previdenciárias do texto constitucional, de forma que mudanças poderão ser feitas por projeto de lei complementar, mais fácil de ser aprovado. “Não há nenhuma desconstitucionalização de direitos, nenhuma. O que está sendo desconstitucionalizado são os parâmetros, porque nenhuma Constituição, nem da Venezuela nem da Bolívia, tem parâmetros previdenciários na Constituição. Ninguém tem”, argumentou o ministro.
Guedes também disse que o sistema não será gerido por bancos, como afirma a oposição. “Falou-se muito aqui de banco, banco, banco. O princípio inicial de criar o sistema de capitalização é que não seja o banco. Não são os bancos que vão gerir. São instituições muito mais próximas desses fundos de pensão”, explicou.
Insatisfeitos com o resultado da audiência, alguns parlamentares avisaram que solicitariam ao Ministério da Economia informações detalhadas sobre o impacto fiscal da proposta, que não foram apresentadas. O relator da reforma na CCJ, Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), garantiu que levará em consideração as queixas dos deputados sobre a admissibilidade da PEC e que “não fugirá de nenhum dos temas levantados pelos colegas”.
O peso sobre os servidores
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que a maior parte do impacto da reforma da Previdência ficará com os servidores públicos. Segundo ele, o efeito será 14 vezes maior que a economia por contribuinte do INSS. O texto da reforma altera a alíquota de contribuição do funcionalismo, que pode chegar a 22%, no caso dos super salários. “Nós temos um cálculo. São 71 milhões de pessoas no regime geral. A contribuição de cada um em 10 anos é de R$ 9 mil. Na hora que pega o servidor, ele contribuiu com R$ 140 mil (cada um). Este contribuiu 14 vezes mais do que o pobrezinho”, explicou.
A aposentadoria média na Câmara, de acordo com o ministro, é 20 vezes maior que do INSS. Por isso, para ele, o atual modelo de Previdência é uma “fábrica de desigualdades”. “Oitenta e três por cento dos brasileiros ganham aposentadorias só até dois salários mínimos. Será que estamos prejudicando os pobres, se estamos reduzindo os encargos trabalhistas para eles e aumentando para quem recebe R$ 10 mil, R$ 20 mil, R$ 30 mil, R$ 40 mil de aposentadoria?”, questionou.
O problema da Previdência é “tão dramático” que, no ano passado, o país gastou R$ 700 bilhões com o sistema de aposentadorias, “que é o passado, que são os nossos idosos”, pontuou Guedes. Já com educação, “que é o nosso futuro”, o investimento foi de R$ 70 bilhões. “Gastamos 10 vezes mais com Previdência do que com o futuro, que é a educação”, comparou. Questionado se a reforma atingirá apenas os mais pobres, o ministro ressaltou que o alvo será a “moça da classe média alta”, que terá de trabalhar por mais tempo e pagar contribuições mais altas.
De acordo com os economistas, as mulheres mais pobres já se aposentam no sistema atual, em média, com 61,5 anos. Com a proposta do governo de Jair Bolsonaro, seria para 62 anos. “Passou para 62. Você não atingiu (as mais pobres). Você atingiu justamente a moça da classe média alta que fez um concurso público nova, nunca ficou desempregada, contribuiu a vida inteira e se aposenta aos 55,56 (anos). Essa vai ter que trabalhar mais sete anos e vai contribuir mais”, afirmou. Com informações Correio Braziliense.