Professor de Universidade de Columbia, em Nova York, e emérito da Faculdade de Economia de Princeton, José Alexandre Scheinkman viu uma reação positiva do mercado com os números do PIB divulgados ontem pelo IBGE, mas chamou a atenção para o fato de termos voltado para mesmo patamar de produção de 2017:
“A reação do mercado foi positiva, mas voltamos ao nível de 2017. Perdemos três anos de crescimento. Não andamos nada, zero.”
Ele afirma que a falta de reformas deprime o crescimento, mas acredita que o fato de os juros estarem muito baixos no mundo pode diminuir o risco de fuga maciça de capital, diante do aumento crescente da dívida pública, que exigiria “aumentar brutalmente” os juros”.
Como o senhor avaliou o resultado do PIB?
A reação do mercado foi positiva, mas voltamos ao nível de 2017. Perdemos três anos de crescimento. Não andamos nada, zero. Isso é uma preocupação, é claro, para o Brasil que tem tido um crescimento, desde anos 1980, bastante baixo. A média é muito baixa. Perder mais três anos é um problema. Sob esse ponto de vista de como isso afeta as questões fundamentais, como pobreza no Brasil, é muito ruim. Houve agravamento da má distribuição de renda. A combinação desses dois fatores, para os mais pobres, é muito ruim.
A questão fiscal pode inibir o crescimento?
Já entramos em 2020 com a situação fiscal complicada. Falta um programa de ação mais bem desenhado para as medidas estruturais que são necessárias. E que agora se tornaram mais urgentes. Não vejo iniciativas do governo que me deem confiança de que isso vai acontecer. Nós temos problema fiscal, apesar de a participação dos impostos na economia ser bastantes razoável.
O que precisa ser feito?
Tem a questão do tamanho do gasto, mas o mais grave é qualidade dos gastos e da arrecadação.Temos um sistema tributário dos mais complicados e distorcidos que se possa imaginar. Do lado dos gastos, gastamos muito mal. Com o nível de renda e de arrecadação, deveríamos ter água e esgoto mais que universal. Isso afeta a saúde da parcela mais pobre da população e o problema ficou mais sério na pandemia .
Mas há risco de o investidor se afastar, evitar o Brasil?
No mundo, as taxas de juros estão bastante baixas, o que nos dará um tempo para nos ajustarmos. É menos provável uma corrida para tirar o dinheiro do país nesse momento e os juros terem de aumentar brutalmente, por causa do tamanho da dívida. Está menos perigosa hoje. Se continuarmos aumentando muito a dívida, isso não vai funcionário. Felizmente, teremos um pouco mais tempo.
O senhor falou da necessidade de medidas estruturais, como a falta delas pode afetar a economia?
O grau de insegurança para o investidor estrangeiro é muito grande. O que aconteceu com a retomada do pedágio no Rio de Janeiro, na Linha Amarela, cria um clima de que pode ser complicado investir no Brasil. Basta, no resto do mundo, começarem a aparecer oportunidades melhores, o Brasil vai de novo para o fim da fila. A falta de reformas deprime o crescimento, a produtividade.
Quais os riscos de uma segunda onda para economia mundial e para o Brasil, que começa a ter aumento no número de mortes e hospitais cheios?
Nos Estados Unidos e na Europa, estados e municípios estão adotando medidas para restringir o número de pessoas na rua. Em Los Angeles já adotaram lockdown em várias localidades. Em Nova York, os salões internos dos restaurantes estão fechados, só pode funcionar ao ar livre, o que no inverno torna isso menos atrativo. Além disso, as pessoas desconfiam, passam a não querer fazer certas atividades com medo de ficarem doentes. Compram menos serviços, principalmente os serviços face a face. Isso vai afetar a economia. Eu acho que, no Brasil, se tiver uma segunda onda, vai ter o mesmo fenômeno. As pessoas tendem a não consumir certos serviços.
Mas há as vacinas.
Sim, três a quatro vacinas devem começar a ser distribuídas nessa primavera nos Estados Unidos. Isso vai permitir o retorno ao trabalho e ao consumo.
Inclusive no Brasil?
O Brasil tem tradição de ter um sistema de vacinação bom que historicamente sempre funcionou. Mas não é claro para mim se o Brasil fez os planos necessários, como Canadá, Itália e EUA, que compraram vacinas de várias origens, para ter uma diversificação. No Brasil, me parece que são apenas duas vacinas. Tentar começar nesse momento a aumentar sua base vai ser complicado. O Brasil vai ter de esperar. E não há muita desculpa para isso.
O Globo