A transexualidade é uma realidade e não pode ser ignorada pela sociedade. Infelizmente, esse público viveu no anonimato até hoje por conta de preconceito e discriminação que, entre tantas outras coisas, impactam não só no dia a dia da sua vida, mas desencadeiam problemas relacionados à saúde e ao acesso aos cuidados, prevenção e tratamentos. Elas têm menos acesso e estão correndo sérios riscos de um modo geral. O alerta é da Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) — Regional Rio de Janeiro, Dra. Maria Julia Calas, que aponta a preocupação com o câncer de mama, mas também de outros fatores por conta da questão hormonal.
Segundo a médica, que é ginecologista e mastologista, a preocupação com a população trans é legítima e merece atenção das autoridades. Ela lembra um estudo da Medical Center, em Amsterdam, que afirmou que o risco de câncer de mama em pessoas trans é maior do que nos homens. “Como qualquer cidadão, essa pessoa tem que ter uma rotina de prevenção, porém sem acesso fica difícil. Tanto a mulher trans como o homem trans precisam ser acompanhados, principalmente por não haver estatísticas precisas sobre o real cenário”, afirma.
Ela lembra que, embora já haja políticas públicas específicas, nas quais se busca avançar na inclusão, os princípios de integralidade, universalidade e equidade no cuidado a essas mulheres ainda estão longe de serem alcançados. “Outro fator importante é que há também pouca literatura disponível para melhor compreensão do cuidado da saúde de mulheres trans. Somado a isso, há pouco interesse por parte de profissionais, culminando num cenário que merece atenção das autoridades”, diz a presidente.
A mastologista ressalta que a identificação de gênero é uma questão de grande impacto na saúde, pois se trata de uma população carente de estudos satisfatórios e de significância estatística no que se refere tanto à incidência de câncer de mama quanto às possíveis formas de rastreio. Além disso, as informações de base populacional sobre até que ponto os transgêneros são submetidos a exames de mamografia são limitadas, o que acaba contribuindo para o aumento do risco”, explica.
Segundo a especialista, há também uma falta de assistência na área da saúde, que reflete anos de preconceito, violência e repressão que levaram à falta de acesso e de interesse, por parte da maioria da classe médica, por essas pessoas. “As diretrizes da Professional Association for Transgender Health sugerem que o estrogênio pode contribuir para um aumento no risco de desenvolver câncer de mama, assim como o uso da testosterona”, diz a médica, lembrando que há indicações de que o número de casos da doença seja alto devido aos processos de hormonização.
Ela explica que as mulheres trangêneros realizam a hormonioterapia com estrogênio e medicamentos anti-androgênicos para inibir a ação da testosterona. Já em homens trans, mesmo com a retirada das mamas, houve um desenvolvimento mamário prévio, sendo comum a presença de resíduo tecidual, com estímulo hormonal estrogênico normal. “Por isso, o rastreamento de câncer de mama deve ser feito em homens transgêneros com algum tecido mamário, seja ele natal ou residual após a mastectomia”, esclarece a especialista, lembrando que, embora essa discussão venha se ampliando, junto aumenta-se a transfobia.
“Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, 125 travestis e homens e mulheres trans foram assassinados no Brasil, de acordo com o projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT), da ONG Transgender Europe (TGEU). É sob essa realidade que eles vivem, o que certamente impacta na sua busca pela saúde preventiva”, conclui.
Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo.