A Operação Lava Jato recuperou cerca de R$ 1 bilhão que foram desviados em operações fraudulentas, principalmente relacionadas à Petrobrás. O número é histórico, pois é a primeira vez na história que apenas uma operação no País repatria tal valor.
Para chegar a esse resultado, integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário precisaram interrogar centenas de testemunhas e investigados, conduzir diligências em cinco unidades da Federação e desvendar o caminho percorrido pelo dinheiro até chegar a contas no exterior. De acordo com o Ministério Público Federal no Paraná, até o primeiro semestre deste ano, foram devolvidos ao território nacional R$ 846,2 milhões. No total, R$ 2,1 bilhões estão bloqueados em diversos países, de acordo com dados da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), vinculada à Procuradoria-Geral da República (PGR). As investigações no âmbito internacional demandam ainda mais esforços, já que precisam contar com a cooperação de autoridades de outras nações.
Com seis anos de existência, a Lava-Jato retirou a cortina que cobria transações espúrias, que usavam empresas e repasses em dólar para dar aparente legalidade a operações milionárias provenientes de desvios nos cofres da Petrobras e de suas subsidiárias. Para encontrar os recursos, os investigadores analisaram o valor recorde de R$ 12 trilhões em contratos e serviços suspeitos.
Professor de compliance do Ibmec em Brasília, Marcelo Pontes afirma que os doleiros — profissionais que vendem e compram a moeda norte-americana — tiveram papel amplo no envio de recursos para o exterior no esquema descoberto pela Lava-Jato. “Os métodos mais utilizados foram os chamados doleiros, e basicamente, o que eles fazem é intermediar as remessas de recursos ilícitos para contas no exterior. É a chamada lavagem do dinheiro”, destaca. “Eles têm contatos, formas de abrir contas em outros países para enviar o dinheiro usando intermediários. Dessa forma, fica difícil descobrir os caminhos do dinheiro. Um servidor público que vai receber propina, por exemplo, geralmente é pago por meio de laranjas encontrados por doleiros.
Artimanhas
Ainda de acordo com Pontes, todos os passos eram minuciosamente pensados para impedir que órgãos investigativos e de controle descobrissem as irregularidades e acessassem os recursos, por isso, a importância da cooperação com as autoridades dos demais países envolvidos. “Existe o método de abrir uma conta no exterior e colocar o nome de um laranja, como um vizinho. E o alvo da propina, que vai receber o dinheiro, como políticos e servidores públicos, recebem uma procuração. Então, não é o titular da conta que movimenta os montantes, mas, sim, o receptor da propina”, detalha. “No entanto, quando as autoridades vão solicitar cooperação, recebem o nome de terceiros, não dos alvos da investigação. Apesar disso, sempre existem rastros a serem descobertos.”
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, ressalta que, além dos meios eletrônicos, existem casos de retiradas de dinheiro em espécie do país, para dificultar o trabalho de investigação. “O dinheiro sai tanto em espécie quanto por transferências bancárias. No primeiro caso, assim como acontece com a droga, o dinheiro é retirado do país por pessoas que atuam como ‘mulas’, transportando o dinheiro no corpo ou dentro de outros produtos”, relata. “Já as transferências bancárias ocorrem por meio dos negócios jurídicos simulados.”
As investigações concentraram-se no Ministério Público Federal do Paraná, cuja força-tarefa criada para cuidar do caso foi renovada até janeiro do ano que vem, mas que pode deixar de existir, a depender da decisão a ser tomada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, quando a prorrogação tiver vencido.
Lei fortaleceu a operação
A lei das organizações criminosas, promulgada em 2013, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, em que gestores públicos, diretores de estatais e políticos da base do governo ficaram na mira das investigações, foi fundamental para que todo o trabalho da Operação Lava-Jato fosse realizado.
A mudança na legislação permitiu uma punição maior e criou o instituto da delação premiada. O dispositivo encontra a oposição de muitos advogados. Eles alegam que seus clientes são obrigados a produzir provas contra si mesmos e que são pressionados a contar o que sabem às autoridades querem. No entanto, é o mesmo dispositivo que permite a redução de pena e até o perdão judicial para empresas e pessoas que aceitam colaborar e revelar o funcionamento dos esquemas ilegais.
Ao convencer o réu a colaborar, as autoridades podem, ainda, negociar a devolução dos valores que foram desviados e, se necessário, com aplicação de multas, que, muitas vezes, chegam a cifras altas, como é o caso do empreiteiro Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora de mesmo nome, principal envolvida no sistema criminoso mantido ao longo dos anos. O executivo aceitou pagar indenização de R$ 73,3 milhões a título de danos morais e cumprir 10 anos de prisão.
Marcelo Pontes, professor de compliance do Ibmec em Brasília, destaca que, apesar das mudanças na legislação e do reforço em órgãos de controle, não descarta-se a hipótese do surgimento de novos esquemas do tipo, que podem ser tão grandes quanto o que saqueou os cofres da Petrobras e suas subsidiárias. “Sempre existe esse risco. Quando criam-se novas tecnologias, como as criptomoedas, também surgem novas margens de desvio e lavagem de dinheiro. O crime vai se adaptando. Mas o sistema bancário está reagindo, como é o caso do PIX, que já veio com diversas ferramentas de controle para evitar fraudes. Mas, se as autoridades não ficarem vigilantes, esquemas tão grandes quanto o descoberto pela Lava-Jato podem surgir novamente”, enfatiza.
Com Correio Braziliense