Apesar de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência da República (Secom), negar que Tércio Thomaz, assessor especial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), não tinha relação com o trabalho da pasta, o homem apontado como líder do “Gabinete do ódio” admitiu, em depoimentos no inquérito dos atos antidemocráticos, que dois de seus assessores, José Matheus Salles Gomes e Mateus Diniz, tinham atuação junto à Secom. Suas funções foram reveladas pela primeira vez à Polícia Federal.
“Gabinete do ódio” é o nome dado a um grupo de assessores que trabalham no Palácio do Planalto com foco nas redes sociais, inclusive na gestão de páginas de apoio à família Bolsonaro que difundem desinformação e atacam adversários políticos do presidente. O trio escolhido pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, contou aos investigadores que faziam articulações e intermediavam a comunicação e o diálogo da Secom com a Presidência.
Em seu depoimento, Thomaz contou que trabalha em “uma sala situada no Palácio do Planalto, 3° andar; que compartilha a sala com José Matheus e com Mateus Diniz”. Segundo Thomaz, José Matheus tem como atribuição “intermediar os assuntos com a Secom, de interesse de comunicação”.
Já Diniz, apesar de ser lotado na Secom, trabalha no Planalto e tem como função “auxiliar a interligação da Secom com a assessoria pessoal do Presidente da República”.
Ao prestar depoimento, José Mateus afirmou à PF que sua “atribuição é de acompanhar a agenda do presidente da República, realizar a análise de cenário da internet (pautas do dia, temas que podem ser polêmicos ou de interesse do governo) para assessorar o presidente da República na tomada de decisões”.
O assessor disse ainda que “sua função está mais ligada à área de comunicação do governo como um todo, envolvendo a parte de estratégia de comunicação das atividades desenvolvidas pelo governo (ideias, sugestões, temas que não devem ser abordados em determinado momento etc.)”.
Segundo ele, a Secom realiza o trabalho de comunicação, mas ele “atua no sentido de auxiliar estrategicamente essas abordagens”. Diniz afirmou em seu depoimento que assumiu a função de assessoria na Secom em janeiro de 2019 e “na mesma época foi cedido à Presidência da República”.
Indagado sobre qual seria sua atribuição, ele diz que assessora Bolsonaro em “assuntos relacionados à área de comunicação e que também recebe demandas de outras áreas do governo como ministérios e atua intermediando tais interesses perante à Presidência da República”. Diniz admitiu atuar em uma “intermediação” entre a Secom e a Presidência da República.
Tércio Thomaz confessou ainda, em depoimento à PF, que repassou vídeos do presidente para os responsáveis pelo canal do Youtube Foco do Brasil, alvo de mandados de busca e apreensão expedidos pelo STF.
O envio sistemático de vídeos para o canal com mais de 2,3 milhões de inscritos foi referendado por dois responsáveis pelo canal: Anderson Azevedo Rossi, o dono do Foco do Brasil, e Cleitomar Basso.
De acordo com as investigações, entre março de 2019 e maio de 2020 Rossi recebeu US$ 307.042,14 —o equivalente a mais de R$ 1,54 milhão com a cotação da moeda americana nessa terça (7) —apenas com a monetização de vídeos no Youtube. O dono do canal Foco do Brasil afirma em depoimento que seu faturamento mensal varia entre R$ 50 mil e R$ 140 mil.
Em seu depoimento, Rossi afirma receber vídeos diretamente de Tercio, que acompanha as agendas presidenciais na condição de servidor público comissionado. “Também recebeu, por meio do aplicativo WhatsApp, vídeos do presidente Jair Bolsonaro, do Sr. Tercio, que seria assessor do presidente Jair Bolsonaro”, consta em trecho do relatório feito pela PF sobre o depoimento do dono do canal. Rossi revelou ainda ter obtido o contato direto de Tercio diretamente através da “assessoria da Presidência da República”.
Por sua vez, Tércio Tomaz confirmou enviar material para o Foco do Brasil ao ser confrontado pelos investigadores. “O declarante durante viagens, eventos ou entrevistas do Presidente da República realiza (ou recebe) pequenas filmagens que possam ser distribuídas para canais ou mídia tradicional, situação que abarca o canal FOCO DO BRASIL”, diz o relatório da PF.
Já Cleitomar Basso informou à PF que “os vídeos apresentados no jornal são disponibilizados publicamente pela agencia Brasil, pelo próprio Presidente da República, entre outras fontes jornalísticas e de personalidades públicas”.
A reportagem do UOL entrou em contato com a Presidência da República e com Tercio Arnaud Tomaz para obter um posicionamento sobre o envio dos vídeos, mas não obteve resposta até o momento.
Quem é Tércio Thomaz
Tércio Thomaz tem curso incompleto em biomedicina e foi assessor do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados ao longo do ano de 2017.
Depois, em 2018, foi formalmente lotado no gabinete de Carlos Bolsonaro, mas não trabalhava de fato na Câmara de Vereadores do Rio. Ele prestava serviços para a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Acompanhava o presidente em viagens pelo país e se apresentava como “assessor de imprensa” do então candidato. Já José Matheus estudou zootecnia e foi assessor de Carlos na Câmara de Vereadores desde 2014.
Com a vitória de Bolsonaro, os dois foram nomeados assessores especiais do presidente a partir de janeiro de 2019. O terceiro integrante do núcleo, Mateus Diniz, foi apresentado por José Mateus a Carlos e foi nomeado na Secom. Nenhum dos três possui qualquer formação na área de comunicação.
Questionado na CPI sobre a influência de Thomaz na Secom, Wajngarten negou qualquer atuação.
“O único gabinete que eu conheço é o gabinete da Secretaria Especial de Comunicação. O senhor Tércio nunca fez parte do quadro da Secom. O senhor Tércio nunca participou de decisões estratégicas, seja de qualquer conteúdo que a Secom determinou, veiculou ou planejou. Nenhuma interferência do senhor Tércio”. Wajngarten negou a influência dos outros assessores também.
UOL