A Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG) decidiu, no fim do mês passado, faltando dois dias para se conhecer a empresa vencedora da licitação de todo o sistema de abastecimento da cidade, manter a Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa) no fornecimento dos serviços de água e esgoto da cidade. As oito empresas que estavam no processo de concorrência foram surpreendidas. A decisão do prefeito Romero ocorreu depois de uma consulta pública iniciada no fim de maio sobre a minuta do contrato celebrado com a empresa.
Um agravo de instrumento, à qual a reportagem teve acesso, questiona na Justiça a celebração do contrato com a Cagepa e possíveis prejuízos ao município, já que o aditivo celebrado com a companhia estadual prevê um retorno financeiro significativamente menor do que o exigido na licitação aberta anteriormente.
Veja a denúncia na íntegra:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CAMPINA GRANDE – PARAÍBA.
JOÃO VITORINO RAPOSO, brasileiro, divorciado, engenheiro civil CREA n.º 180803121-0, CPF n.º 003.376.174-49, Título de Eleitor n.º 130819212-60, residente e domiciliado na Avenida Cabo Branco, 4560, CEP: 58046-010, João Pessoa – PB, vem mui respeitosamente perante Vossa Excelência, através de seu advogado regularmente constituído, consoante instrumento procuratório em anexo (Doc. 01), interpor
AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA
Em face do Sr. ROMERO RODRIGUES VEIGA, Prefeito do Município de Campina Grande, podendo ser encontrado na Avenida Rio Branco, n.º 304, Bairro da Prata, Campina Grande – PB, pelos fatos e fundamentos abaixo delineados.
BREVE SÍNTESE FÁTICA
O serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município de Campina Grande é prestado pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba – CAGEPA, desde 1964 – após esta ter encampado a SANESA – nos termos da Lei n.º 108/1964, serviço este concedido pelo prazo de 50 (cinquenta) anos.
Contudo, tal prazo findou desde 2014, sem que o Município e a CAGEPA firmassem qualquer tipo de avença quanto à continuidade da concessão, a qual perdura de forma precária até os dias atuais e, frise-se, sem que haja a prestação dos serviços de maneira satisfatória para a população.
Em 11 de Julho de 2019 o promovido fez publicar, no Diário Oficial Eletrônico o Chamamento Público n.º 2.09.001/2019, o qual, com fulcro no Decreto Federal n.º 8.248/2015 e no Decreto Municipal n.º 4.404/2019, convidou “pessoas jurídicas de direito público ou privado para manifestarem interesse no desenvolvimento dos estudos necessários para subsidiar eventual procedimento licitatório para a concessão dos serviços relativos à Expansão, Modernização, Manutenção, Gestão e Operação do Sistema de Abastecimento de Água (SAA), Coleta e Tratamento de Esgoto (SES) no Município de Campina Grande” (Doc. 03). Vejamos:
Cinco empresas foram autorizadas a desenvolver os estudos de viabilidade técnica, operacional, ambiental, econômico-financeira e jurídica do sistema de abastecimento de água e esgotamento da cidade de Campina Grande, quais sejam: BRK Ambiental Participações S.A., CONASA Infraestrutura S.A., CPD Companhia Paulista de Desenvolvimento, KL Serviços de Engenharia S.A. e Saneamento Ambiental Águas do Brasil S.A.
Pari passu, sobreveio contratação mediante dispensa de licitação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, pelo valor de R$ 765.000,00 (setecentos e sessenta e cinco mil reais), para auxiliar no desenvolvimento dos projetos e edital.
Ultimados os estudos, em 30 de dezembro de 2019 a edilidade fez publicar no Semanário Oficial o Ato Justificativo da Conveniência da Outorga da Concessão dos Serviços Públicos Municipais de Saneamento Básico (Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário), oportunidade em que foram destacadas as fragilidades do serviço operacionalizado pela CAGEPA bem como “a necessidade de investimentos da ordem de R$ 509.530.850,00 (Quinhentos e nove milhões quinhentos e trinta mil oitocentos e cinquenta reais)” (Doc. 05):
Na mesma oportunidade foi anunciada a realização de uma Consulta Pública (n.º 001/2019/CGPPP) “com o objetivo ampliar o diálogo com todas as partes envolvidas no processo, tornando-o mais democrático, transparente e participativo, através das sugestões, críticas e elogios apresentados pela sociedade sobre futura concessão dos serviços públicos com prazo de concessão de 35 anos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no município de Campina Grande/PB”.
Ocorre que, entre a publicação do PMI e da audiência pública, o Estado da Paraíba interpôs Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo c/c Pedido de Tutela de Urgência (processo n.º 0821745-45.2019.8.15.0001) em desfavor do Município de Campina Grande aduzindo a impossibilidade jurídica de deflagração do citado procedimento .
Em meio aos entreveros jurídicos que permearam a publicação do edital de concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, surpreendentemente, sobreveio na mídia a notícia de que o promovido estaria novamente negociando com a CAGEPA a formalização de um convênio para a concessão dos citados serviços, tendo sido publicado no Semanário Oficial de 25 a 29 de maio um comunicado de realização de Consulta Pública (n.º 002/2020/CGPPP) para “receber sugestões e contribuições” acerca da Minuta de Contrato de Programa a ser celebrado com a CAGEPA pelo prazo de 35 (trinta e cinco) anos. (Doc. 06)
OCORRE QUE, CONSOANTE RESTARÁ DETIDAMENTE ESMIUÇADO A SEGUIR, A CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO COM A CAGEPA, NOS MOLDES EM QUE FOI MINUTADO, AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E IMPLICA EM SIGNIFICATIVOS DANOS À COLETIVIDADE.
CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR E LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA
A Constituição Federal disciplina, no art. 5º, inc. LXXIII, a legitimação do cidadão para a interposição de ação popular. Vejamos:
Art. 5º. (…)
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Por seu turno, a Lei n.º 4.717, de 29 de junho de 1965 estabelece o rito da presente ação. No caso em análise, restará eficazmente demonstrado a seguir a lesividade do convênio a ser celebrado entre a Prefeitura Municipal de Campina Grande e a CAGEPA relativamente à concessão dos serviços de abastecimento de água e saneamento básico.
Assim, o ajuizamento da presente ação é perfeitamente cabível.
Denota-se da documentação em anexo a legitimidade do promovente, cidadão no regular gozo dos seus direitos políticos, conforme de plano comprovado pelo Título de Eleitoral n.º 130819212-60.
O réu apontado nesta peça vestibular é efetivamente o responsável pela produção do ato ilegal, lesivo ao patrimônio público, conforme art. 6º da Lei n.º 4.717/65: “A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”.
DA LESIVIDADE DA OUTORGA À CAGEPA
Consoante sucintamente relatado acima, o Município de Campina Grande, após ter dado início aos estudos de viabilidade técnica para deflagração de procedimento licitatório para a concessão do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário, surpreendentemente fez publicar, no Semanário Oficial de 25 a 29 de maio um comunicado de realização de Consulta Pública (n.º 002/2020/CGPPP) acerca de contrato a ser celebrado com a CAGEPA pelo prazo de 35 (trinta e cinco) anos.
Destaque-se que, concomitantemente à publicação da Consulta Pública, em 26 de Maio de 2020 publicou-se a “suspensão” do Edital n.º 0005/2020. E não o seu “cancelamento”. Duas iniciativas divergentes sobre o mesmo objeto!!!!
Para melhor contextualizar os fatos, cumpre explanar acerca do histórico da prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário deste Município.
Atualmente tal serviço é prestado pela CAGEPA, nos termos da Lei n.º 108/1964, a qual estipulou o prazo de 50 (cinquenta) anos. Findo este prazo, em 2014, A EDILIDADE QUEDOU-SE INERTE na condução de tratativas para eventual renovação ou até mesmo para a deflagração de licitação para nova concessão.
Ocorre que, logo em seguida à adoção das medidas preparatórias para a realização de um certame contemplando a prestação dos serviços em questão, sobreveio contenda judicial impulsionada pelo Estado da Paraíba.
Entretanto, os atos oficiais publicados pela municipalidade relativamente à concessão dos serviços de esgotamento sanitário e fornecimento de água trouxe à tona fatos antes desconhecidos pela população campinense.
Douto Magistrado, não é surpresa a DEFICIENTE prestação de serviços pela CAGEPA, bem como a necessidade de investimentos para atender de forma satisfatória a população. O povo campinense já há alguns anos pena com o desabastecimento e a cobrança de tarifas abusivas. A notícia de deflagração de um novo certame gerou grande expectativa nos munícipes. Entretanto, abruptamente e injustificadamente o cenário se transmudou na iminente perpetuação da CAGEPA!!!
Denota-se do Ato Justificativo da Conveniência da Outorga da Concessão (publicado em Separata do Semanário Oficial em 30/12/2019), que foi estipulado o valor em R$ 222.400.000,00 (duzentos e vinte e dois milhões e quatrocentos mil reais), a serem pagos ao município em 36 (trinta e seis) parcelas, tendo sido estimado o valor do contrato em R$ 6.387.906.176,19 (seis bilhões, trezentos e oitenta e sete milhões, novecentos e seis mil, cento e setenta e seis reais, dezenove centavos).
Senão, vejamos:
Por seu turno, o Contrato a ser possivelmente celebrado com a CAGEPA estipula o valor de R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais) a título de outorga, O QUE CORRESPONDE A PRATICAMENTE 1/5 (UM QUINTO) DO VALOR QUE SERIA PAGO À MUNICIPALIDADE EM CASO DE DEFLAGRAÇÃO DE UM CERTAME LICITATÓRIO. Vejamos:
É INEVITÁVEL INDAGAR O MOTIVO DE TAMANHA DISPARIDADE!!
O contrato da CAGEPA prevê, ainda, o repasse mensal de 1,8% (um vírgula oito por cento) da arrecadação e o pagamento de R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais), ambos a serem destinados a um Fundo de Saneamento, Infra Estrutura e Meio Ambiente a ser criado. Vejamos:
Confrontando os valores que seriam vertidos aos cofres municipais numa e noutra hipótese, temos o seguinte:
1) Nova licitação: R$ 222.400.000,00 (duzentos e vinte e dois milhões e quatrocentos mil reais), a serem pagos em 36 (trinta e seis parcelas), sendo R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) dividido em R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) na ordem de serviço e outros R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) até a transferência da concessão, e R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) anualmente, todos estes valores como mínimo da oferta pelas licitantes.
2) Contratação da CAGEPA: R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais) no primeiro ano de contrato, R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais) ao longo de três anos e, anualmente, 1,8% da arrecadação (estimada em R$ 145.000.000,00 (cento e quarenta e cinco milhões de reais), o que corresponde a R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais).
Desconsiderando-se os valores a serem recolhidos anualmente, O VALOR TOTAL DA CONTRATAÇÃO DA CAGEPA É INFERIOR AO VALOR DA PRIMEIRA PARCELA QUE CONSTA NO EDITAL.
Indo mais além, se somarmos todos os valores, inclusive a estimativa de repasses anuais, ainda assim seria inferior ao valor total da concessão nos moldes previstos no edital.
TRATA-SE DE UM ABSURDO!!! A potencial lesividade deste contrato afetará as gerações futuras, conquanto seja estipulado o prazo de TRINTA E CINCO ANOS.
Assim, é questionável a razão pela qual o Município de Campina Grande, após a realização de estudos técnicos, e lançamento de edital de licitação (atualmente com status de “ suspenso”) “optou” por simplesmente “desistir” da licitação, que verteria aos cofres públicos mais de duzentos milhões de reais ao longo do prazo de concessão – 35 anos – para “receber” apenas R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões) da CAGEPA? Impossível compreender.
Os absurdos não param por aí!
Na justificativa da outorga de concessão foram estimados R$ 509.530.850,00 (quinhentos e nove milhões quinhentos e trinta mil oitocentos e cinquenta reais). Vejamos:
Pontue-se que tais investimentos são condições necessárias da contratação, sob pena de descumprimento contratual e penalidades aplicáveis.
Contudo, absurdamente o mesmo não está previsto no tocante à outorga dos serviços à CAGEPA, onde tais investimentos estarão condicionados à obtenção de financiamentos futuros, senão vejamos:
Ora, se de um lado o atingimento das metas e a realização dos investimentos é condição para a contratação, do outro não há obrigatoriedade de cumprimento das metas, as quais dependerão de financiamentos a serem obtidos a posteriori, não se consistindo o não atingimento em cláusula resolutiva da avença.
É dizer que, acaso a CAGEPA não logre êxito em obter financiamentos, não serão atingidas as metas posto e, consequentemente, permanecerá a prestação dos serviços nos moldes atualmente ofertados, ou seja, DEFICIENTEMENTE!
Assim, da forma em que está posto na outorga à CAGEPA, o Município de Campina Grande está expressamente abrindo mão de investimentos necessários e, quiçá, indispensáveis, nos serviços de esgotamento sanitário e fornecimento de água. Os maiores prejudicados são, de certo, os munícipes, não apenas a geração atual, como também as futuras, se considerarmos o prazo previsto de 35 anos!
Fato é que a manutenção da CAGEPA na exploração dos serviços de abastecimento e saneamento apenas perpetuará a precariedade dos serviços por ela ofertados.
A falta de investimentos da CAGEPA em Campina Grande não é novidade e já vem sendo noticiada pela mídia paraibana há alguns anos. Em 2016 o então Deputado Federal Rômulo Gouveia destacou a crise hídrica e o colapso no abastecimento de água da cidade. À época, a CAGEPA devia aos cofres municipais o valor de R$ 499.000.000,00 (quatrocentos e noventa e nove milhões de reais). Vejamos a notícia veiculada em 11 de maio de 2016:
Entre dezembro de 2014 e agosto de 2017 a população campinense suportou o racionamento de água tendo em vista os baixíssimos níveis do Açude Epitácio Pessoa, na cidade de Boqueirão, em decorrência não apenas da escassez de chuvas, mas também da ausência de investimentos da CAGEPA.
Desta feita, em que pese o contrato na iminência de ser celebrado trace objetivos e metas com vistas à ampliação e manutenção dos sistemas de água e esgoto, provavelmente são apenas idealizações que, na prática, não serão atingidas, mormente se considerarmos o histórico da Companhia na gestão do serviço na cidade de Campina Grande.
Nos termos do inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, se destina a ação popular a questionar o “ato lesivo ao patrimônio público (…) à moralidade administrativa”:
Art. 5º. (…)
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
É inconteste a potencial lesividade ao patrimônio público decorrente da iminente contratação da CAGEPA nos moldes constantes no contrato publicado por ocasião da Consulta Pública n.º 002/2020/CGPPP. Ora, o Prefeito Municipal de Campina Grande, supreendetemente e sem qualquer motivo justificável, simplesmente desistiu de prosseguir na deflagração de certame para a concessão dos serviços de esgotamento sanitário e fornecimento de água, após a realização de estudos prévios, audiência pública e ampla divulgação acerca dos necessários investimentos e valores que seriam vertidos aos cofres públicos pela concessionária.
É de se estranhar a mudança repentina de posicionamento da gestão municipal que, há pouco menos de um ano, criticou duramente a CAGEPA e empreendeu os esforços necessários para a deflagração de certame, sobretudo mediante realização de estudos de viabilidade técnica, operacional e jurídica.
Ora, Ilustre Julgador, a edilidade se defendeu na demanda judicial intentada pelo Estado da Paraíba em face do PMI, insistindo na viabilidade e necessidade da realização de uma licitação. Na realidade, não apenas se defendeu como se insurgiu em face da concessão de tutela antecipatória manejando o cabível recurso de Agravo de Instrumento.
Os fundamentows jurídicos e explanações fáticas invocadas pela edilidade naquela demanda evidenciam justamente a legalidade da deflagração do certame. O que teria mudado? Não se sabe!
O QUE SE SABE É APENAS A POTENCIALIDADE LESIVA DA CONTRATAÇÃO DA CAGEPA, EXPRESSA EM NÚMEROS IMPACTANTES E RELEVANTES AOS COFRES PÚBLICOS E A POPULAÇÃO DE UM MODO GERAL.
A realização de uma licitação para a concessão do serviço público em questão é a solução que mais se coaduna com os preceitos normativos de regência. Nestes termos, coaduna a Lei n.º 8.987/1998, ao considerar a necessidade de prévio procedimento licitatório, inclusive, para as concessões de serviços públicos:
Art. 2.º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
(…)
II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
Assim, em se tratando de concessão de serviços de serviços públicos, sua formalização se dará mediante contrato com precedente licitação pública. Note-se ainda que a licitação deverá ser na modalidade concorrência.
Tem-se então que a referida contratação sem o devido procedimento licitatório, se constitui em ato lesivo ao patrimônio municipal, pois não houve escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, bem como atentatório aos princípios da moralidade, probidade e legalidade.
Por tudo isso, é nulo o ato praticado, nos termos do art. 2º da Lei n.º 4.717/1965:
Art. 2.º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
c) ilegalidade do objeto;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
e) o desvio da finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Aplica-se, ainda, o disposto no art. 4º, inciso III, alínea a, da mesma lei, que considera a nula “a empreitada, a tarefa e concessão do serviço público, quando o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral”.
Não é de fácil percepção a motivação da desistência da licitação e a renovação da outorga para a CAGEPA, mormente tenha o promovido, à frente da gestão municipal, publicado PMI para a elaboração de estudos e, constatada a viabilidade, publicado edital de concorrência para a concessão dos serviços de esgotamento sanitário e abastecimento de água.
Desde 2014 a concessão da CAGEPA caducou e, nos termos do art. 35 da Lei n.º 8.987/95, todas as instalações e instrumentos utilizados pela CAGEPA na prestação dos serviços se tornaram bens públicos.
Art. 35. Extingue-se a concessão por:
I – advento do termo contratual;
II – encampação;
III – caducidade;
IV – rescisão;
V – anulação; e
VI – falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.
§ 1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.
§ 2º Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.
§ 3º A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.
§ 4º Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei.
Assim, não se admite sequer alegar que a edilidade estaria dispondo do acervo patrimonial da CAGEPA quando da assunção dos serviços posto que, ao término da concessão, já houve a incorporação ao patrimônio público.
Inúmeros são os argumentos que se contrapõem a renovação da outorga com a CAGEPA, se relevando em verdadeira manobra lesiva ao patrimônio público.
Se está abdicando de vultosos investimentos que beneficiariam toda a população campinense e do recebimento total do valor de R$ 222.400.000,00 (duzentos e vinte e dois milhões e quatrocentos mil reais) ao longo do período de concessão.
Tal conduta é passível também de enquadramento nos moldes da Lei n.º 8.429/92 posto que atentatória à moralidade administrativa e causadora de prejuízos ao erário. Vejamos:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…)
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
A OUTORGA DOS SERVIÇOS EM QUESTÃO À CAGEPA É EXTREMAMENTE LESIVA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO, BEM COMO À MORALIDADE PÚBLICA. Além do prejuízo econômico, a moralidade pública encontra-se seriamente abalada, bem como o direito subjetivo dos cidadãos de usufruírem dos serviços a um preço justo e de qualidade.
Logo, comprovada a prática de atos ilegais e lesivos à coletividade de Campina Grande, toma-se imprescindível a intervenção do Poder Judiciário para suspender a Consulta Pública n.º 002/2020/CGPPP, designada para o dia 04 de Junho de 2020 e, consequentemente, obstar a outorga dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário à CAGEPA.
DA TUTELA DE URGÊNCIA
O instituto da Tutela de Urgência, veio de forma inovadora no Código Processo Civil de 2015, o qual em livro próprio disciplina o tema nos artigos 300 e seguintes, assim vejamos:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
(…)
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Dessa forma, para a concessão de tal medida liminar é necessário o preenchimento dos requisitos existentes no art. 300 do CPC, sendo eles a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo. Senão, vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. TRANSMISSÃO DO CARNAVAL FORA DE ÉPOCA. RÁDIO GAÚCHA. PROBABILIDADE DO DIREITO ALEGADO NA EXORDIAL DEMONSTRADA. PROVA DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. REQUISITOS À CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA ATENDIDOS. A concessão da tutela antecipatória de urgência pressupõe a concorrência dos requisitos legais previstos no art. 300 do CPC/2015. In casu , a prova documental coligida aos autos dá margem a que se possa concluir, em cognição sumária, pela probabilidade do direito invocado na inicial, de modo a que seja mantida a decisão que deferiu a tutela antecipada para suspender os efeitos do contrato administrativo decorrente da Inexigibilidade de Licitação no 11/2019. Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação relacionado à iminência da realização do precitado evento festivo. Presentes a probabilidade do direito invocado e o perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo, impõe-se manter a decisão que deferiu a tutela de urgência postulada na inicial, pois atendidos os pressupostos do art. 300 do CPC/2015. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70081062192, Vigésima Segunda… Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 13/06/2019). (TJ-RS – AI: 70081062192 RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Data de Julgamento: 13/06/2019, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/06/2019)”
“Segunda Câmara Cível Agravo de Instrumento nº. 035.119.001.218 Recorrente: Município de Vila Velha Recorrido: Augusto Silveira Luppi Goldner Relator: Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho . ACÓRDÃO EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA OCORRÊNCIA DE FRAUDE EM LICITAÇÃO, DE PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE VIOLAÇÃO À LEGALIDADE. ESSENCIALIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS INTERROMPIDOS PELO DECISUM AGRAVADO. PERICULUM IN MORA INVERSO. MANUTENÇÃO DOS EFEITOS DO CONTRATO IMPUGNADO. RECURSO PROVIDO. I. A existência de vício material na descrição do objeto licitado trazida no texto do Edital é suprida pela completude das informações lançadas no Projeto Básico incluso como Anexo e parte integrante do Instrumento Convocatório, nos termos do artigo 40, § 2º, da Lei nº 8.666⁄93, de modo que tal circunstância, per se, não denuncia de forma flagrante e inequívoca a alegada fraude no certame dirigida à limitação do caráter competitivo. II. A alegação de prejuízo ao erário, decorrente do suposto superfaturamento do preço contratado, apresenta-se desprovida de prova inequívoca que indique, à saciedade, qual o real custo dos equipamentos e serviços descritos no Projeto Básico do certame, pelo que não se encontra evidenciada a ilegalidade dos atos administrativos em apreço. III. As supostas fraudes e irregularidades denunciadas pelo autor da Ação Popular ostentam singular relevância e, por conseguinte, devem ser objeto de rigorosa instrução probatória, a fim de que seja apurada no transcorrer da instrução processual a veracidade dos fatos narrados no contexto da peça vestibular e a real extensão da alegada lesão ao patrimônio público municipal. Nesse viés, resulta temerária a efetivação de ordem judicial antecipatória que resulte na determinação da interrupção de serviço público essencial ao funcionamento das Unidades de Saúde do Município, com amparo na noticiada relevância dos vícios alegados, destituída, contudo, de prova robusta acerca da respectiva veracidade. IV. Em juízo de ponderação realizado entre os vícios materiais constatados na documentação do certame, aliados a alegações de fraude, e o risco de lesão ao interesse público, advindo da interrupção dos serviços contratados, afigura-se razoável a manutenção dos atos administrativos impugnados, pela presença de nítido periculum in mora inverso. V. A instrução do Agravo de Instrumento com documentos, juntados de forma superveniente e que não foram objeto de apreciação e consequente Decisão pelo Juízo a quo implica em supressão de instância, sem prejuízo de necessária e ulterior deliberação sobre a matéria, de modo que seu exame por este Egrégio Tribunal de Justiça, nesta oportunidade, foge aos limites do presente Recurso, restritos ao acerto ou desacerto da Decisão vergastada. VI. Recurso conhecido e provido para reformar o decisum guerreado que deferiu o pedido de tutela antecipada no bojo da demanda originária e, consequentemente, restabelecer os efeitos do Contrato Administrativo impugnado, determinando a imediata retomada dos serviços públicos objeto da avença. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da Sessão, que integram este julgado, por unanimidade dos votos, conhecer e conferir provimento ao recurso, nos termos do voto do Eminente Desembargador Relator. (TJ-ES – AI: 09040661920118080000, Relator: NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO, Data de Julgamento: 06/03/2012, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/03/2012)”
DENOTA-SE DOS JULGADOS ACIMA QUE A CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA BUSCA SALVAGUARDAR OS INTERESSES DA COLETIVIDADE DIANTE DA POSSIBILIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO EIVADO DE NULIDADE. AQUI DEVE-SE BUSCAR TUTELAR OS INTERESSES PÚBLICOS, SEVERAMENTE AMEAÇADOS DIANTE DA IMINENTE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO EXTREMAMENTE LESIVO AOS COFRES MUNICIPAIS.
A probabilidade do direito também conhecida como prova inequívoca ou verossimilhança do alegado estão fundamentados no PMI e no Edital de Concorrência Pública para concessão dos serviços de esgotamento sanitário e abastecimento de água publicados pela Prefeitura Municipal de Campina Grande, bem como no contrato de outorga proposto para ser celebrado com a CAGEPA, evidenciando a INEQUÍVOCA LESIVIDADE deste último, sobretudo se for considerado que as metas de investimentos não são obrigatórias, mas sim condicionadas à futura obtenção de investimentos.
Na prática, se está deixando de contratar empresa – ou até mesmo a própria CAGEPA, acaso de sagrasse vencedora – que estaria OBRIGADA a realizar os investimentos necessários para a eficaz prestação dos serviços para reconduzir a concessionária que há anos não implementa qualquer investimento na cidade de Campina Grande, gerando severos transtornos à população e que não estará contratualmente obrigada sequer a atingir as metas indicadas.
É um colossal absurdo!!!
É de se destacar também a disparidade dos valores da concessão e da outorga à CAGEPA, onde naquela foi orçada em R$ 222.400.000,00 como oferta mínima e, nesta, em ínfimos R$ 45.000.000,00 sem qualquer justificativa para tão colossal diferença.
Já o perigo de dano está presente justamente na iminente renovação da prestação dos serviços pela CAGEPA que, ao longo dos anos, não realizou qualquer investimento no município, agravando sobremaneira a crise hídrica e impondo aos munícipes longos períodos de racionamento de água, mediante cobrança de tarifas caras.
Com relação ao risco do resultado útil do processo também conhecido como dano irreparável ou de difícil reparação, este está configurado na medida em que, uma vez celebrada a contratação, a mesma perdurará por 35 (trinta e cinco) anos, lesionando o erário público, afrontando a moralidade administrativa e, principalmente, prejudicando os cidadãos campinenses, que há anos amarguram a prestação de serviço deficiente pela CAGEPA.
POR OUTRO LADO, TAL MEDIDA NÃO GERA PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DOS EFEITOS DA DECISÃO, VISTO QUE O QUE ORA SE PRETENDE É JUSTAMENTE A SUSTAÇÃO DA CONTRATAÇÃO SEM QUALQUER JUSTIFICATIVA E DE MANEIRA TÃO DISFORME COM O EDITAL OUTRORA LANÇADO.
Com relação ao primeiro requisito, a doutrina é concorde em apontar sua similitude com o fumus boni iuris (juízo de probabilidade razoavelmente demonstrado). Não obstante, com relação ao segundo requisito, pode dizer que este seja correspondente ao periculum in mora.
Segundo o magistério de RIZZATTO NUNES, o sentido da expressão é o de “menos eficácia do que teria a decisão se não fosse concedida liminarmente”.
Por tais razões, REQUER-SE QUE SEJA CONCEDIDA TUTELA DE URGÊNCIA NO SENTIDO DE SUSPENDER A CONSULTA PÚBLICA N.º 002/2020/CGPPP, APRAZADA PARA O DIA 04 DE JUNHO DE 2020, ATÉ FINAL APRECIAÇÃO MERITÓRIA DESTA AÇÃO POPULAR.
DO PEDIDO
A teor do que restou acima exposto, REQUER-SE:
a) Que seja concedida a tutela de urgência, no sentido de SUSPENDER A CONSULTA PÚBLICA N.º 002/2020/CGPPP, APRAZADA PARA O DIA 04 DE JUNHO DE 2020 ATÉ FINAL APRECIAÇÃO MERITÓRIA DESTA AÇÃO POPULAR;
b) A citação das promovidas para, querendo, oferecerem defesa na fase processual oportuna, sob pena de revelia e confissão ficta da matéria de fato, com o consequente julgamento antecipado da lide;
c) Dê-se vistas ao Ministério Público, conforme determina o art. 6º, § 4º e art. 7º, inc. I, “a” ambos da Lei 4.717/65;
d) A procedência do pedido, com a confirmação da tutela de urgência, SUSPENDENDO A CONSULTA PÚBLICA DESTINADA A ANÁLISE DO CONTRATO DE OUTORGA COM A CAGEPA, impedindo assim que a municipalidade celebre avença severamente lesiva aos cofres públicos e com contornos nítidos de improbidade administativa.
e) Requer-se a produção de todas as provas admitidas em Direito;
f) Por fim, requer-se a condenação das demandadas no ônus da sucumbência.
Atribui-se o valor da causa de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins meramente fiscais.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Campina Grande, 8 de julho de 2020.
JALDELÊNIO REIS DE MENESES
Advogado OAB/PB n.º 5634