Em sua primeira entrevista após deixar o cargo de procurador-geral da República, Rodrigo Janot chamou Joesley Batista, um dos sócios do grupo J&F, de “bandido”. Em resposta ao ex-procurador-geral da República, a defesa do empresário declarou que está “absolutamente perplexa” com a entrevista e que Janot ataca “a pessoa de Joesley de maneira desleal e desproporcional”.
Janot, que pediu abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal para investigar os indícios de conduta criminosa dos delatores, ainda acusou os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud de omitirem propositalmente as novas gravações. “Na leitura que fizemos, isso (entrega de áudios indicando omissão de informações aos procuradores) não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro (Edson) Fachin (relator da Lava Jato no STF) lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol (procuradora Ana Carolina Rezende)”.
De acordo com a defesa de Joesley, a entrevista do ex-PGR “demonstra e reforça a forma melancólica”, ressaltando que “o Ministério Público está claramente dividido”.
Ainda durante a entrevista, Janot declarou que “não criminalizou a política”. A defesa também discordou deste aspecto. “Também é importante ressaltar que o Dr. Janot criminalizou, sim, a política. Sobretudo ao dividir, para dar um exemplo, a investigação em quatro grandes inquéritos que miravam como alvos grandes partidos da República, como PMDB da Câmara, PMDB do Senado, PP e PT. Agindo dessa forma, ele se referiu abertamente aos mencionados partidos, historicamente importantes e reconhecidos como pilares da redemocratização e do sistema republicano representativo brasileiro, como se fossem uma organização criminosa, sem se preocupar com o óbvio: descrever os tais crimes cometidos e explicitar a necessária individualização da suposta conduta dos parlamentares ali indevidamente atacados”.
Confira na íntegra o comunicado da defesa de Joesley enviado à imprensa:
“A defesa de Joesley Batista está absolutamente perplexa com a entrevista concedida hoje no importante jornal Correio Braziliense pelo doutor Rodrigo Janot. Na entrevista, claramente fora do tom adequado a alguém que ocupou cargo tão importante, o doutor Rodrigo Janot ataca, violentamente, a pessoa de Joesley de maneira desleal e desproporcional, mais uma vez.
É importante ressaltar que Joesley tratou o seu processo de delação com a Procuradoria Geral da República, um ato de extrema importância e gravidade, confiando na boa fé do agente público e chefe do MPF. O dr Janot considerou que a delação da JBS seria a mais efetiva e a mais completa dentre tantas outras, tanto que aos diretores foi concedida uma inédita imunidade plena. Foi a única delação, das dezenas levadas a efeito, que resultou em imunidade absoluta. Durante essas tratativas, evidentemente, os delatores julgavam estar tratando com o Estado, representado pelo douto Procurador Geral da República.
Ocorre que as críticas ao doutor Procurador, após a divulgação dos termos e da imunidade concedida, foram bastante graves e ácidas por parte de toda a imprensa brasileira, onde se destacou, sobretudo, a impossibilidade da concessão de tamanho benefício. Do ponto de vista da defesa, doutor Rodrigo Janot, de forma desleal, incorreta e injusta, subitamente decidiu rescindir o acordo de colaboração premiada e denunciar os delatores, com a consequente retirada da imunidade concedida, que talvez fosse o que mais o incomodava o PGR.
Essa entrevista apenas demonstra e reforça a forma melancólica com que o ex-PGR despede-se do cargo máximo do Ministério Público, ressaltando detalhes internos, expondo de forma estranha e bastante ruim para a sociedade brasileira como o Ministério Público está claramente dividido. O Procurador, que até três meses atrás, sentia-se um herói nacional, agora tem que reconhecer que sequer foi convidado para a posse da atual Procuradora Geral da República. Essa exposição do Ministério Público é extremamente negativa, pois gera insegurança para todos aqueles que confiam e esperam que o órgão continue a ser independente e, absolutamente, imparcial.
Joesley não quer tecer maiores comentário sobre a agressividade do doutor Rodrigo Janot, no entanto queremos ressaltar o que é, no momento, para nós o mais importante: os delatores estavam ainda no prazo para entregar toda e qualquer documentação relativa à colaboração, autorizados pelo próprio Ministro Fachin, e cumpriram absolutamente tudo o que lhes cabia cumprir e, a partir daí, com a homologação da delação, o delator tem o direito subjetivo de ver aquilo que lhe foi prometido ser, efetivamente, cumprido.
Destaco que não fui advogado e nem participei da colaboração da JBS, mas ressalto que essa discussão é fundamental para estabilidade do instituto da delação, visto que se trata de um instituto novo no processo penal, que merece todo tipo de reflexão e as devidas críticas e apontamentos. Afirmo que sou favorável ao instituto, mas sou um crítico dos excessos cometidos na sua aplicação. Esse triste episódio ressalta isso de forma muito intensa.
Na verdade, estamos vivendo a desmoralização da colaboração premiada e criando instabilidade para todos aqueles que foram delatores. Eu sou um crítico ferrenho dos excessos há muito tempo, e agora estou trabalhando para, em primeiro lugar, conseguir a liberdade dos colaboradores da JBS e, posteriormente, para fazer valer os seus direitos, com a convicção de que se eles cumpriram aquilo que acordaram (e efetivamente cumpriram) com o Ministério Público, eles não podem ter o acordo rescindido por ato de vontade e autoritarismo do ex-PGR, tão somente devido às críticas quanto à imunidade que lhes foi dada.
Também é importante ressaltar que o Dr. Janot criminalizou, sim, a política. Sobretudo ao dividir, para dar um exemplo, a investigação em quatro grandes inquéritos que miravam como alvos grandes partidos da República, como PMDB da Câmara, PMDB do Senado, PP e PT. Agindo dessa forma, ele se referiu abertamente aos mencionados partidos, historicamente importantes e reconhecidos como pilares da redemocratização e do sistema republicano representativo brasileiro, como se fossem uma organização criminosa, sem se preocupar com o óbvio: descrever os tais crimes cometidos e explicitar a necessária individualização da suposta conduta dos parlamentares ali indevidamente atacados.
Essa criminalização da política é absolutamente nociva ao Estado Democrático de Direito. Logo, a Procuradoria Geral da República, com a importância que tem – inclusive porque é competência exclusiva do PGR apresentar a denúncia, visto que o Supremo Tribunal Federal não age sem provocação (e veja-se que, nesse ponto, o procurador é mais importante que um Ministro do Supremo, porque cabe a ele decidir quando arquivar e quando denunciar) – pode muito, mas não pode tudo.
A verdade é que Poder algum pode tudo, tal equilíbrio é da essência do sistema tripartido e da lógica de freios e contrapesos que rege a república. Assim, não pode o Ministério Público simplesmente chamar um partido de organização criminosa e irresponsavelmente lançar tais aleivosias à imprensa como verdade. O MP tem o direito de denunciar quem ele julgar que tem que denunciar, mas com o devido respeito aos partidos políticos que são a base da democracia representativa.
Infelizmente, é preocupante o grau de desestabilização do ex-procurador, que demonstra, inclusive, o seu rompimento, talvez pessoal, e a ruptura de seu grupo com o atual grupo que assume a procuradoria. E cabe a nós, advogados e cidadãos, com muita tranquilidade, aguardar que o MP volte a ter a transparência, a dedicação e a seriedade que sempre foi a marca do grande Ministério Público da época do min. Sepúlveda Pertence, por exemplo. Queremos ressaltar a dificuldade de lidar com esse grau de animosidade e esperamos que o Ministério Público Federal honre a sua tradição, honre seus compromissos, em nome da segurança jurídica e da perpetuação do estado democrático de direito. KAKAY”