Em meados dos anos 1970, boa parte da América do Sul estava mergulhada em ditaduras militares. Apesar dos elementos em comum – o pano de fundo da Guerra Fria, os conflitos internos que colocavam grupos de esquerda como ameaça à ordem nacional, o princípio da doutrina de segurança nacional – cada um desses regimes foi marcado por particularidades.
E o mesmo se pode dizer do período posterior, a redemocratização. A maneira como cada país decidiu lidar com os crimes cometidos pelo Estado e com o processo de desmilitarização da política foi única – e essas escolhas reverberam até os dias de hoje, diz a historiadora argentina Marina Franco, que pesquisa o tema.
Franco é professora da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM) e co-coordenadora do Programa de Estudios de las Dictaduras del Cono Sur y Sus Legados (“Programa de Estudos das Ditaduras do Cone Sul e Seus Legados”, em tradução literal). É co-organizadora do livro Ditaduras no Cone Sul da América Latina (editora Civilização Brasileira), publicado em 2021.
A Argentina, por exemplo, foi um dos poucos países a revogar a lei de anistia que os militares aprovaram antes de deixar o poder. Ainda em 1983, ano em que o civil Raúl Alfonsín assumiu a presidência, foi criada a Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas (Conadep), que tinha a função de investigar os crimes contra direitos humanos cometidos entre 76 e 83, os anos do regime.
Ainda em 1983, ano em que o civil Raúl Alfonsín assumiu a presidência, foi criada a Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas (Conadep), que tinha a função de investigar os crimes contra direitos humanos cometidos entre 76 e 83, os anos do regime. O país levou à prisão perpétua o general Jorge Rafael Videla, que governou o país entre 76 e 81 e, até março de 2022, a Justiça havia condenado outras 1.058 pessoas em 273 sentenças por crimes relacionados ao terrorismo de Estado.
O Brasil é um exemplo do lado oposto. A lei de anistia sancionada em 1979 pelo regime militar segue em vigor e foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 – o que significa que a grande maioria dos civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não pode ser julgada.
O órgão instituído para investigar os crimes relacionados à ditadura, por sua vez, foi criado apenas em 2011. Trata-se da Comissão Nacional da Verdade, que, em seu relatório final, em 2014, apontou 377 nomes entre os autores de graves violações aos direitos humanos.
A primeira condenação de um agente havia ocorrido ano passado, quando um juiz federal responsabilizou o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte nos anos 70 (o entendimento foi de que o sequestro é um crime continuado e, portanto, não coberto pela lei de anistia).
Em fevereiro deste ano, contudo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região acatou um recurso da defesa, que alegava prescrição do caso, e extinguiu a punibilidade do ex-delegado. Algumas condenações e pedidos de condenações vigoram até hoje, sem resolução.