A reportagem do site ‘The Intercept Brasil’ divulgou neste final de semana uma investigação que aponta atividades irregulares da empresa PixBet, do empresário Ernildo Júnior Farias (Paraibano Júnior).
Confira principais trechos abaixo:
Em fins de 2012, um salão de sinuca em Campina Grande, a segunda cidade mais populosa da Paraíba, atraía apostadores dizendo abrigar uma filial da Sportingbet, a tradicional casa de apostas inglesa.
“A filial de nome Paraibano Jr. funciona todos os dias, e o pagamento é efetuado na hora que o apostador acerta os resultados”, alardeava um pequeno blog local, até hoje online. A filiação com a Sportingbet, ao que tudo indica, era falsa – até onde se sabe, a ligação entre ambas não ia além do fato da Paraibano Jr usar as cotações do site britânico para calcular os prêmios a pagar.
Além disso, explorar bancas de apostas é uma contravenção penal no Brasil desde 1946, ano em que o presidente Eurico Gaspar Dutra (um alto oficial do Exército) proibiu jogos de azar no país.
Nada disso, porém, impediu que o empresário Ernildo Júnior Farias, o Paraibano Jr, prosperasse. Pelo contrário: em 10 anos, ele chegou à elite do futebol brasileiro. É dono da Pixbet, um dos principais sites de apostas do Brasil e o mais presente nas camisas dos clubes das séries A e B do futebol brasileiro.
O mercado em que ele e suas empresas atuam só deixou de ser ilegal em 2018 e hoje funciona basicamente numa zona cinzenta da lei brasileira. Apesar disso, o setor deverá movimentar R$ 8 bilhões em 2022.
Times como Flamengo, Santos, América-MG, Avaí, Goiás, Vasco, Ponte Preta, Guarani, Cruzeiro e Ituano entram em campo envergando a marca do site de Farias, que também está nos painéis de publicidade de torneios estaduais e nacionais. Hoje, 35 dos 40 clubes das duas principais divisões do futebol brasileiro são patrocinados por casas de apostas – e a Pixbet estampa sua marca nas camisas de 10 deles.
A ascensão de Farias se deve ao menos em parte à falta de regulamentação do setor em que ele atua. Em dezembro de 2018, um decreto do então presidente Michel Temer, do MDB, legalizou as apostas esportivas no país e determinou que o Ministério da Economia criaria regras para o licenciamento da atividade.
As regras até hoje não existem. Mas, como efeito direto da lei, a propaganda dos sites e casas de apostas foi liberada, ainda que eles sigam proibidos de operar em território nacional. Isso criou uma “zona cinza”, um mercado que funciona sem regras claras sobre o que é legal ou ilegal.
Para serem, em tese, “regulares”, casas de apostas devem operar somente na internet, com sedes (ao menos no papel) em países que permitem a exploração de jogos de azar. A manobra é necessária para escapar da Lei de Contravenções Penais brasileira, a mesma usada para punir o jogo do bicho.
“Como esses sites estão sediados fora do país, teoricamente não há crime se a aposta se consolida fora do território nacional”, avaliou a advogada criminalista Mariana Chamelette, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
O nome Pixbet é o mais recente usado por Ernildo Farias em seus negócios com apostas esportivas. Os empreendimentos são rastreáveis desde pelo menos 2012, quando ele passou a divulgar em redes sociais a rede de bancas Paraibano Jr – apelido que Farias usa em seu endereço de e-mail e em partidas de pôquer. Na época, o negócio tinha as cotações do site SportingBet como referência para pagar prêmios aos clientes e usava a marca inglesa para se promover.
Em 2013, Farias criou o seu próprio site, o Futebol Fácil, e multiplicou sua operação em bancas Nordeste afora. Também registrada em Curaçao, a Futebol Fácil operou até 2018, chegou a ter 80 bancas em pelo menos cinco estados brasileiros – localizamos filiais em Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio de Janeiro.
A história – apresentada como case de sucesso – da virada da Paraibano Jr em Futebol Fácil é contada por Arthur de Figueiredo, que é sobrinho de Farias, num post no Facebook em junho de 2016. O site chegou a declarar lucro líquido de R$ 11 milhões anuais, informação que consta em um plano de negócios de uma consultoria portuguesa que auxiliou Farias a criar contas no exterior e a obter licenças na ilha caribenha. No documento, a banca é apresentada como “case de sucesso”.
Em novembro de 2015, Farias abriu uma banca da Futebol Fácil na Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro, com um sócio carioca, Paulo César da Silva. O negócio operou até ele ser autuado pela polícia fluminense, em abril do ano seguinte.
Hoje, quem é pego em flagrante explorando jogos de azar, é encaminhado à delegacia e, depois, à justiça. Mas, como se trata de uma contravenção penal, e não de um crime, as consequências não costumam ir além da lavratura de um termo circunstanciado.
Mesmo após ser autuado no Rio por explorar jogos de azar, Farias não esmoreceu. Voltou à Paraíba e abriu uma nova sede com o mesmo sócio carioca em Esperança, cidade da região metropolitana de Campina Grande. Ali, ele respondeu a pelo menos três ações trabalhistas que oferecem detalhes do cotidiano da operação.
A Wolff Sports, empresa de marketing esportivo que faz a intermediação entre a Pixbet e garotos-propaganda como Edmundo, Zico, Galvão Bueno e a maioria dos times patrocinados pela casa de apostas, não respondeu às perguntas enviadas sobre se informou aos clientes sobre a falta de regulamentação de sites de apostas esportivas e do eventual risco à imagem e credibilidade de times e apresentadores patrocinados pela casa.
O diretor Fábio Wolff disse apenas que a empresa “é conhecida nacionalmente por sua conduta ética” e que seguiu “de forma integral a legislação brasileira em todos os seus contratos, inclusive na intermediação de alguns dos acordos de patrocínio em relação à empresa Pixbet”.
Afirmou, ainda, que “todos os principais veículos de comunicação de massa do país são apoiados por esta indústria” e que o mercado aguarda “com ansiedade” a regulamentação do setor prevista pelo governo para este ano. A Pixbet, Ernildo Farias e Tadeu Farias não responderam às nossas tentativas de contato via e-mail.