Além do colapso sanitário e hospitalar oriundo da pandemia da Covid-19 no Brasil, uma outra consequência da crise assusta vários brasileiros, principalmente os moradores das favelas: a fome.
Uma reportagem da BBC Brasil trouxe à tona essa triste realidade. Na periferia de Recife, a empregada doméstica Josinete Antônia da Silva, de 64 anos, expôs seus armários vazios e relatou as dificuldades vividas neste último ano. A mulher vive com as três filhas, que perderam o emprego na pandemia, uma delas com quatro filhos e está grávida, a outra tem dois. A renda da família é de um salário mínimo (R$ 1.100), proveniente de uma pensão recebida por Josinete.
O dinheiro é insuficiente para comprar a comida que a família necessita para todo o mês. No início da pandemia, em 2020, ela recebia ajuda de organizações, que doavam cestas básicas. Entretanto, essa ajuda diminuiu gradativamente até parar, conta a empregada doméstica.
Josinete revela que uma de suas filhas pede que seus netos comam menos para que sobre comida para ela. “Ela falou: hoje, cada um de vocês come um pouquinho menos para ter comida para a vó também. E me mandou carne moída, feijão e arroz. Se não fosse ela, não sei o que eu teria feito”, contou.
Ao todo, a empregada doméstica tem nove filhos (sete desempregados), 33 netos e sete bisnetos. Um de seus filhos, que mora de aluguel no mesmo bairro e faz trabalhos informais como pedreiro, a ajuda financeiramente com o pouco que pode.
“Ele me ajuda como pode. Está tudo muito caro. Vou ao mercado comprar feijão, arroz, uns pedacinhos de galinha, macarrão e salsicha e não gasto menos de R$ 100. O que pesa é a carne, o arroz e o leite, ainda mais morando com uma criança de 3 anos e outra de 9 meses. Tem dia que dá para comprar pão, outros não”, relata Josinete.
A mulher lembra do auxílio emergencial no valor de R$ 600 pago pelo governo federal no ano passado, ressaltando como o valor fazia a diferença em sua vida.
“Eu tenho vergonha de pedir para outras pessoas, mas não (quando é) para meus filhos. Eu só peço misericórdia para quem tem um pouco mais (de dinheiro) se unir com os outros e ajudar quem não tem condições de sair dessa sozinho. O governo poderia ter mantido o auxílio emergencial em R$ 600, mas a gente não tem escolha”, afirmou.
A escassez nas favelas lamentavelmente é vista em todo o país. Em Paraisópolis, a maior de São Paulo, um homem chegou a desmaiar na fila enquanto aguardava um prato de comida na última semana.
“Vejo um agravamento da situação em que o Brasil fala de um novo normal, com fome e desemprego. A fila de moradores por um marmitex começa às 9h, mas a gente só começa a entregar meio-dia. Eles fazem isso porque sentem medo de perder a única refeição do dia”, declarou Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.
Gilson conta que, no início da pandemia e auge das doações, eles conseguiam entregar 10 mil marmitas por dia. Hoje, são 700.
Na falta de poder público, a própria favela elegeu presidentes de rua, cada um deles cuidam de 50 famílias. O líder comunitário disse que a estratégia é importante para descentralizar os pedidos, já que, num único dia, ele chegou a receber 7 mil mensagens de ajuda.
“Na falta de um presidente para o país, temos um a cada 50 casas. Organizamos a sociedade para que ela tenha um papel real de transformação. Cada um desses presidentes acompanha de perto a situação dessas pessoas, as deficiências na saúde, alimentação. Damos protagonismo às pessoas e reaproximamos vizinhos”, afirmou Gilson Rodrigues.