Por 4 votos a 1, nesta terça-feira (20), a 2ª Turma do STF (Superior Tribunal Federal) concedeu um habeas corpus coletivo para converter a prisão preventiva de todas as presas grávidas e mães de crianças de até 12 anos em prisão domiciliar. O pedido foi feito pela Defensoria Pública da União (DPU), que defendeu o reconhecimento desse direito para todas mulheres nessa situação.
Na prática, os ministros deram força ao artigo 318 do CPP (Código de Processo Penal) e o que antes era exceção, vira regra. O texto já determinava que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a detenta for gestante ou mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos.
Com a decisão do Supremo, cada tribunal terá 60 dias, após a publicação da decisão, para implementar a medida, que valerá também para mães que tiverem crianças com deficiência.
O voto condutor desta terça-feira (20) foi do ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo. Em sua fala, o magistrado afirmou que “2 mil pequenos brasileirinhos estão atrás da grades com suas mães sofrendo indevidamente” e pediu “coragem” à 2ª Turma para tratar do tema.
“O momento exige um pouco de coragem para dar abrangência maior a esse instrumento vetusto que é o habeas corpus.”
“Nós estamos transferindo a pena da mãe para a criança, inocente. Me lembro da sentença de Tiradentes, as penas passaram a seus descendentes”, disse o ministro. Segundo o Jota, Lewandowski também afirmou que, do ponto de vista processual, o habeas corpus coletivo é aceitável:
“Eu optei por entender que este remédio, da forma como foi apresentado na sua dimensão coletiva, é efetivamente cabível.”
O ministro ainda disse que, ao conceder o habeas corpus coletivo, o STF pode contribuir para dar mais isonomia às partes nos litígios e também para permitir que a lesão a direitos sejam sanadas mais celeremente, diz Lewandowski.
“De acordo com dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) no processo a que o HuffPost teve acesso, 122 de 1.857 detentas são gestantes nos estados de Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins. Considerando as grávidas e mães de filhos nessa faixa etária que cumprem regime provisório, 1.010 mulheres podem ter o benefício concedido.”
“O número, contudo, representa apenas uma parcela desse grupo. Isso porque não há informações de dez estados e porque os dados fornecidos estão incompletos. Muitos não incluíram todas penitenciárias ou não informaram a situação jurídica da presa, ou seja, se é provisória ou foi condenada. Das 44,7 mil detidas, 43% são provisórias, de acordo com o Depen.”
Lewandowski afirmou também que a rede pública de saúde brasileira não tem conseguido dar tratamento adequado nem para mães que não estão presas, “muito menos para aquelas que estão encarceradas”
O caso de Jéssica Monteiro
Na última terça-feira (13), um recém-nascido foi levado para a cela de uma delegacia com a mãe, Jéssica Monteiro, de 24 anos, em São Paulo. Ela foi presa por tráfico de drogas no sábado (10) e entrou em trabalho de parto no dia seguinte. O bebê nasceu no Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Zona Leste de São Paulo, mas Jéssica teve de voltar para a cela após o parto. Na audiência de custódia, o juiz decidiu manter a prisão.
“Para a gente, o impacto do reconhecimento desse HC coletivo é diante desse descumprimento da lei, ou seja, terminou o julgamento e esse HC beneficiou essa senhora que está na delegacia, a lei está cumprida. Aquela criança a gente está tirando do cárcere”, afirmou ao HuffPost Brasil o defensor público-geral federal, Carlos Paz.
De acordo com o advogado de Jéssica, Paulo Henrique Guimarães Barbezan, a prisão domiciliar foi negada, e a cela era pequena e sem condições mínimas de higiene. Segundo o conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) Ariel de Castro Alves, Jéssica tem um filho de três anos e não tem passagem policial.
Ela foi presa com quatro porções de maconha escondidas no sutiã e outras 23 porções que os policiais militares disseram que Jéssica jogou no chão antes da abordagem, de acordo com o boletim de ocorrência.
Na sexta-feira (16), ela foi liberada da Penitenciária Feminina de Santana, na Zona Norte de São Paulo, para cumprir prisão domiciliar após decisão da Justiça.
“Vou ter de voltar ao mesmo quarto, vivo de invasão de doação. O pai do meu filho ficou seis dias sem ver ele. Deus me enviou pessoas maravilhosas para poder eu ter a minha liberdade de volta. É horrível tudo o que eu passei”, desabafou, em entrevista à GloboNews.