Em artigo, Rui Leitão ressalta o poder catalisador da seleção brasileira que, na tarde dessa quinta-feira (24), fez sua estreia na Copa do Mundo do Catar num jogo contra a Sérvia, ganhando por 2 a 0. O escritor destaca o poder do futebol de misturar a emoção e a razão, aproximando pessoas e unindo os divergentes, além de tomar de volta para os brasileiros a camisa verde e amarela, deixando de lado o teor político e golpista a ela atribuída.
Leia o texto na íntegra abaixo:
O PODER CATALISADOR DA SELEÇÃO BRASILEIRA
O futebol tem a forte capacidade de misturar emoção e razão. Ontem tivemos uma impressionante demonstração do quanto esse esporte exerce um poder catalisador de massas, inclusive no contexto da política. Chegamos ao dia do jogo de estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo, vivenciando um grande problema. Boa parte da população não se sentia bem em usar a camisa da CBF, porque estava vinculada a um movimento político reacionário, com pregação antidemocrática. Eu me incluía entre esses que rejeitavam a ideia de vesti-la para assistir a partida tão esperada. Não queria ser confundido com os golpistas que se apoderaram dos símbolos nacionais.
Não concordo com os que acham o futebol o ópio do povo. Pelo contrário, como qualquer produto da indústria cultural ele pode, sim, produzir efeitos alienantes na consciência popular, mas é inegável o seu poder de fomentar união quando se trata de torcer pela equipe que representa o nosso país na Copa do Mundo. Os divergentes se irmanam numa só manifestação de nervosismo e emoção. Sempre foi assim, o país para quando o Brasil joga na disputa pelo título mundial de futebol.
Na tarde de ontem esse fenômeno produziu um efeito interessante. Estamos diante de uma crise política nunca vivida em nossa nação. A sociedade brasileira dividida em razão de uma polarização político-ideológica. A seleção brasileira, com o seu poder de aproximar as pessoas, unir os diferentes, os divergentes, os contrários, no jogo de ontem, fez valer essa sua força catalisadora. Quando a bola foi colocada no meio de campo e passou a rolar conduzida pelos jogadores, a camisa amarela que estávamos rejeitando, deixou de ser a marca de um projeto político. O espírito de polaridade, até então existente com muita força, desapareceu e o que vimos foi, em todo o território nacional, os até então inimigos políticos abraçados festejando os gols de Richarlisson, em sua grande maioria vestindo a camisa da CBF até então rejeitada.
Estávamos precisando viver isso. Lula, o candidato a presidente que está prestes a tomar posse, foi o primeiro a convocar seus eleitores, por entender a importância dessa oportunidade para que se promovesse esse momento de congraçamento nacional. Vestiu a tradicional camisa, sequestrada pelos seguidores do candidato derrotado, e sugeriu seus eleitores a fazer o mesmo. Voltamos a abraçar as pessoas de quem nos encontrávamos afastadas por questões políticas. Claro que ainda existem os recalcitrantes, aqueles que movidos por paixões irracionais insistem em negar o gesto de diálogo e de confraternização. São os fanáticos que agem como se fizessem parte de uma manada.
O show que a seleção brasileira nos ofereceu ontem, com certeza, vai motivar esse novo espírito no povo brasileiro. Basta de conflitos. A eleição acabou. Que a paz seja restabelecida. Que a Copa do Mundo continue produzindo esse sentimento de união entre todos os brasileiros, que estamos tanto a precisar. Afinal ser feliz é também um ato de resistência.
Deixemos que os acometidos dessa doença política que se inclina contra os interesses de nossa pátria e se posiciona contra a democracia, que a cada dia diminuem de tamanho, se isolem recusando participar dessa festa nacional. Temos notícias de que nas suas manifestações em frente aos quartéis e nas estradas bloqueadas, ao perceberem que perderam a camisa da CBF como símbolo do seu movimento golpista, torceram contra a nossa seleção e recomendaram não mais usar a tradicional camisa. Recuperamos este símbolo. Já não temos mais medo de, durante toda essa competição internacional, ser confundidos com eles, ao vesti-la a cada jogo do Brasil.
O futebol servindo para a afirmação de nossa identidade nacional, sem que percamos as convicções que nos conduzem a tomadas de posições em favor da democracia e da busca de promover a reconstrução de nosso país, num ambiente de paz e companheirismo, independentemente das diferenças sociais, econômicas e políticas da população. A Copa do Mundo proporciona aos brasileiros o encontro consigo mesmos, ou a intenção de fazê-lo.
Tenho a alegria de afirmar que fiz desaparecer em mim o sentimento de rejeição e vesti a camisa da CBF e, fiquei muito feliz em ver que não fui só eu. Ela voltou a ser de todos nós. Afinal de contas, finalizada uma eleição, não existem mais vencedores e perdedores. Venceu a vontade majoritária da população. E com ela vamos vencer também nesta Copa do Mundo e nos consagrarmos HEXACAMPEÕES. Vimos ontem que temos futebol para mais essa conquista.
Rui Leitão