Era uma quarta-feira e eu, Regina e Darlene estávamos a caminho da rodoviária para receber os documentos da OSI (Organização Socialista Internacionalista) para a reunião de célula que aconteceria a noite.
Éramos da Libelu e Edvaldo Faustino era nosso dirigente e, ao contrário dos jovens da época, não estávamos tomando banho de lua ou requebrando nos Embalos de Sábado a Noite.
Queríamos o fim da ditadura e para chegar a esse objetivo sacrificamos a adolescência e corríamos perigo o tempo todo, pois estávamos nos anos de chumbo, militares no poder, censura na imprensa e amigos presos e sumindo assim, pra nunca mais, como cantou Gilberto Gil.
Estávamos na Casa das Frutas e, subindo em direção ao Ponto de Cem Réis, nos deparamos com uma comemoração da torcida, pois a seleção acabava de vencer um jogo pela Copa e todos estavam embriagados no “Pra frente Brasil”.
Chegando a rodoviária fomos retirar nossa encomenda que vinha disfarçada dentro da caixa de produtos da Avon. Hilário! Éramos revolucionários disfarçados de singelos e inofensivos revendedores da Avon.
As reuniões de célula eram sempre tensas e intermináveis e dali saiam diretrizes das ações da semana, geralmente vender o jornal O Trabalho na porta da Sessão de Arte do Cine Tambaú ou panfletar na porta das fábricas do nosso Distrito Industrial. Nosso foco era denunciar os crimes do regime ditatorial e conscientizar.
Aos 15 anos minha geração estava curtindo e sonhando, enquanto eu e outros anônimos lutávamos para por fim ao regime militar.
Fui forjado na luta, o perigo sempre fez parte da minha vida e a palavra medo nunca esteve e nunca estará no meu diário de luta, pois quem enfrentou as baionetas com o risco real de descer aos porões do regime nunca mais teve medo de nada.
Dércio Alcântara