Pela primeira vez na história, o número de mortes ultrapassou o de nascimentos, somente na primeira semana de abril, na região sudeste do Brasil. Entre 1º a 8 de abril, foram registrados 13.998 nascimentos contra 15.967 registros de óbitos. A informação é da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais disponibilizados no Portal da Transparência.
Os dados são preliminares, pois os cartórios têm prazo de 10 dias para registrar nascimentos e óbitos. Contudo, a alta de mortes em relação aos nascimentos é tendência desde 2020. Pesquisadores preveem que em abril, a ascensão do número de falecimentos deve alcançar todo o país.
Nos últimos 120 anos, a população brasileira só cresceu. Na virada para o século XX, o país contabilizava 17,4 milhões de pessoas. Atualmente, o Brasil tem 212.9 milhões de habitantes, de acordo com uma projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mesmo com famílias menos numerosas, a população do país continuou crescendo, entretanto, o número de nascimentos começou a cair de forma gradual. O IBGE calculava que essas as duas linhas iriam se cruzar em 2047. Mas a pandemia da Covid-19 pode adiantar em décadas esse fenômeno.
De acordo com o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, os impactos no sistema de saúde e na economia influenciam as decisões das famílias, o que reduz a taxa de natalidade.
“A pandemia acelerou as mortes e reduziu o nascimento, por quê? Na primeira onda, em junho e julho, muitas mulheres e casais a hora que viram o sistema colapsando, o mercado de trabalho com 32 milhões de desempregas, adiaram a decisão reprodutiva. A mulher decidiu ficar grávida em um momento mais adequado”, afirma.
Em 2019, a relação nascimentos por óbitos no Brasil era de 2.2 nascimentos para cada óbito. Já em 2020, essa razão foi 1.8, de acordo com a professora de demografia e membro do Centro de Estudos para População e Desenvolvimento de Harvard, Márcia Castro.
“Se analisar essa razão ao longo dos meses desde 2019 (antes da pandemia) por estado, as mudanças temporárias em meses de alta acelerada são nítidas”, comenta.
De acordo com a professora, os números mostram outro ângulo do excesso de mortes. A longo prazo, a população não vai diminuir, e essas mudanças devem ser provisórias.
“Na medida em que hospitalizações, casos e mortes se reduzam, ou seja, que não haja tanta sobremortalidade, a razão aumentaria. O efeito demográfico não é de longo prazo. Mas o impacto do excesso de mortes é nítido, preocupante, e um reflexo da falta coordenada de controle, o que gera uma condição totalmente inédita. Espera-se que seja temporária, mas depende do que será feito para conter essa alta mortalidade sendo observada”, pontuou.
O mês de março registrou a menor diferença entre nascimentos e mortes dos últimos anos. Isso se deu principalmente pela explosão de óbitos neste que foi o período mais mortal da pandemia.
Só em comparação ao ano passado – quando já havia a pandemia de Covid-19, o crescimento foi de 63%. Para o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, esse é mais um sinal do descontrole da pandemia no país.
“Agora em março, com dados preliminares, nós já passamos de 174 mil óbitos por todas as causas no pais, e tudo leva a crer que nós vamos passar de 220 mil mortes mensais no Brasil, o que é mais que o dobro do que era antes da pandemia. É realmente um choque ver esses números”, destacou.
Nicolelis defende a urgência de uma mudança de comportamento social no país e de medidas mais rígidas de isolamento para que o cenário não seja irreversível.
“Por isso que eu e mais boa parte da comunidade cientifica brasileira temos pedido medidas rígidas, lockdown nacional, bloqueio do fluxo de pessoas, vacinação aumentada e uma coordenação nacional da pandemia. Para que a gente evite esses efeitos estruturais que levam o país para uma situação de não retorno. Essa é uma demonstração cabal sobre os efeitos atuais e futuros da pandemia na vida do Brasil”, finaliza.
G1