Após passar 2019 buscando se distanciar de Jair Bolsonaro e, neste ano, assumir o papel de antípoda do presidente, o governador João Doria (PSDB-SP) agora monta um tripé para tentar consolidar seu nome como viável para disputar o Planalto em 2022.
À frente de tudo, a percepção de que haverá mesmo uma guerra política em torno da vacina contra a Covid-19, dadas as sinalizações do Planalto contra o imunizante desenvolvido em São Paulo.
Os outros pontos do tripé citados por aliados do tucano são economia e reformas.
A CoronaVac, imunizante chinês contra o novo coronavírus no qual Doria apostou para ser produzido em conjunto com Instituto Butantan, é de longe o maior trunfo potencial.
O relato até aqui dos testes tem sido positivo, o que levou o governador a fazer um anúncio ambicioso: atingir toda a população paulista até fevereiro, começando em 15 de dezembro.
A meta foi secundada por quem trabalha diretamente com o tema, mas políticos próximos do governador apontam para o perigo óbvio de que algum problema na fase 3 dos ensaios com a vacina atrase o cronograma —isso se ela de fato funcionar.
O Palácio do Planalto sentiu o cheiro de sangue na água, e instruiu a pasta da Saúde a dificultar no possível a vida de Doria.
Enquanto o ministro Eduardo Pazuello mantém uma postura mais neutra, sendo elogiado com frequência pelo tucano, coube a seu número 2, Elcio Franco, assumir o papel de “bad cop” (o policial malvado de Hollywood).
Ele tem insistido em não incluir a CoronaVac no rol de imunizantes que podem ser distribuídos pelo SUS, o que ampliaria seu escopo de cobertura —e, claro, aquilo que um ministro palaciano chamou de “propaganda da vacina do Doria”.
O governo paulista crê que pode chegar a um acordo e tem o apoio de outros estados. Assim, nesta quinta (15) Franco baixou o tom, devido à evidente má repercussão que negar uma vacina (caso funcione) teria. Mas auxiliares de Doria temem novos óbices à CoronaVac.
Enquanto isso, o Palácio dos Bandeirantes vem recebendo contatos de políticos para tentar estabelecer esquemas alternativos.
Nas duas últimas semanas, visitaram Doria o governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB) e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), para falar sobre o tema.
O alicerce econômico do projeto de Doria é mais convencional. Será anunciado nesta sexta (16) na forma de um plano de recuperação para o pós-pandemia, focado na aceleração da desestatização para tentar atrair investimentos.
Novamente, há o risco inerente às incertezas da economia global: se há dinheiro represado de sobra no mundo, a falta de clareza sobre a duração da pandemia serve como trava para investidores, isso para não falar sobre os temores acerca da política fiscal do governo federal.
Por fim, há o campo das reformas, que Doria considera uma vitrine se for bem trabalhada. Aqui, ele logrou uma difícil vitória nesta semana, quando viu aprovado na Assembleia Legislativa um polêmico pacote fiscal, que visa economizar R$ 7 bilhões em 2021.
O projeto foi bastante atacado por prever a apropriação do superávit de fundos de pesquisa estaduais, o que foi retirado do texto após queixas da comunidade acadêmica, além de acabar com entes estatais como a CDHU, empresa de habitação popular.
Folha de S. Paulo