A eleição dos Estados Unidos é global e põe em jogo o futuro do planeta. A derrota de Donald Trump significaria um duro golpe em Viktor Órban, da Hungria; Matteo Salvini, da Itália; Narendra Modi, da Índia e, claro, em Jair Bolsonaro.É por isso que o Intercept tem se dedicado a cobrir atentamente as prévias Democratas. Elas são uma etapa crucial para a política mundial. Nesse cenário, o personagem mais importante do momento é Bernie Sanders. A julgar pelas pesquisas, o senador é o candidato com melhores números para vencer Trump. Se a importância das eleições americanas é a perspectiva de mudança no eixo político global e no Brasil, cobrir Bernie e seus conflitos com o partido Democrata é fundamental. Com apoio popular e fazendo uma campanha com propostas políticas progressistas, Bernie começou liderando as votações e ainda tem chances reais de ser o candidato Democrata – apesar do último revés. Mesmo que Joe Biden tenha saído forte da Super Terça, rodada de eleições em 14 estados que ocorreram nesta semana, na corrida para 1.991 delegados, ele só está 4% a frente de Bernie.É por isso que mostramos que tudo que nos disseram na grande mídia sobre Sanders é um equívoco. Mostramos também a incoerência de acusar o candidato de “simpatizante de ditadores”, uma acusação falsa que levanta o histórico de romance dos adversários com ditadores sauditas, por exemplo. Aliás, o senador de Vermont é tão viável que Trump já admitiu ter medo de enfrentá-lo, como mostrou um áudio privado que publicamos em que o atual presidente mostra sua preocupação com o Bernie. Logo no início das primárias, comentamos a votação em Iowa, quando aproveitamos para apresentar um perfil dos principais candidatos e explicar em linhas gerais como funcionam as primárias. Esta corrida toda está longe de acabar, mas tem um próximo capítulo na terça, dia 10. É dia de primárias em Dakota do Norte, Idaho, Michigan, Mississippi, Missouri e Washington. A semana que vem, portanto, será decisiva para vermos como deve se encaminhar a candidatura Democrata. Até a Super Terça, as primárias vinham sendo lideradas por Bernie, o candidato mais à esquerda, anti-Wall Street, defensor de políticas públicas de saúde e educação. O senador começou muito bem, é líder de arrecadação entre os candidatos (sem recorrer a grandes doadores), está à frente dos demais democratas nas pesquisas contra Trump e mobiliza mais eleitores jovens. Com essa trajetória, ele tornou-se uma esperança não apenas para americanos insatisfeitos com Donald Trump, mas para pessoas em todo o mundo preocupadas com o avanço global da extrema direita.E o que fez o Partido Democrata diante do crescimento de Bernie Sanders? Os líderes Democratas rapidamente se agruparam entorno de Joe Biden, o vice-presidente de Barack Obama (esquecendo que, na verdade, foi escolhido para o cargo para servir de contrapeso conservador para tranquilizar eleitores brancos mais velhos). Um pouco antes da Super Terça, o New York Times deu uma matéria em que afirma que os chefes do partido estão dispostos a arriscar tudo “para impedir a indicação de Sanders na convenção nacional em julho, se tiverem a chance”. Isso já trouxe resultados na terça. Biden levou a melhor em 10 estados e agora lidera a corrida.Biden é o candidato favorito dos líderes do partido Democrata e das grandes corporações, mas é difícil acreditar que ele possa derrotar Trump (ainda que 60 bilionários já tenham ajudado a financiar sua campanha até o final do ano passado). O vice de Obama passou sua vida defendendo bancos e empresas de cartão de crédito (muito fortes em seu estado). Ele, mais do que qualquer um, é o candidato do establishment. Aquele mesmo que a população rejeitou ao eleger Trump. Além disso, ele mostra dificuldade de lembrar fatos básicos e terminar frases. Os críticos sugerem que está senil e não tem condições de governar o país. Biden apenas repete a fórmula que levou Hillary Clinton à derrota em 2016: um candidato com pouco carisma, distanciado do público há décadas, enrolado em dinheiro de corporações e sem uma visão nova para a classe trabalhadora. Ele diz que quer restabelecer a normalidade dos seus tempos de vice – mas, Joe, vamos combinar que o mundo mudou na última década.Em 2016, toda vez que os Democratas acusavam Trump de trabalhar para os mais ricos, os ataques voltavam para os Clinton, igualmente amigos de bilionários. Com Biden como candidato, a história se repetirá: não será possível acusar Donald Trump de favorecer os mais ricos e nem apontar seus sérios problemas cognitivos. Além disso, os Republicanos estão montando uma campanha para pintar Biden como um corrupto, neutralizando as maiores fraquezas do Trump (exatamente como fizeram com Hillary). O telhado de Biden é de vidro.O Intercept vai continuar cobrindo o pleito americano porque o que há na imprensa brasileira sobre o assunto é vergonhoso. Bernie Sanders é ignorado, retratado como um radical ou um comunista (duas mentiras), e a análise de muitos colunistas brasileiros praticamente reproduz o que há de mais rasteiro na mídia americana – igualmente delirante. Nosso editor Andrew Fishman vai produzir novos vídeos e comentários nas próximas semanas. Não deixe de acompanhar Andrew no Twitter e de se inscrever no nosso canal no YouTube.Mehdi Hasan é colunista do The Intercept e temos traduzido muitas das suas análises fatais. Recomendo fortemente seu podcast, Deconstructed. São imperdíveis também os textos de Jeremy Scahill, um dos analistas políticos mais corajosos dos Estados Unidos. Você precisa acompanhar o que reproduzimos dele em português e também seu podcast, Intercepted. Aqui embaixo nos destaques vão algumas das coisas mais relevantes que publicamos sobre as primárias nos últimos dias. Não deixe de acompanhar nossa cobertura. Sobre esse assunto, não tenho nenhuma dúvida: você não encontrará nada melhor por aí. |