Altura inadequada, inadimplência e ser alvo de processo criminal, mesmo sem condenação: você sabia que esses e outros fatos sobre um candidato podem ser empecilhos à aprovação num concurso público? Para quem sonha com uma carreira como servidor municipal, estadual ou federal, não basta ter a formação exigida e tirar uma boa nota na seleção para assumir o cargo desejado. É necessário atender a mais critérios e escapar de outros — e, em alguns casos, até entrar em uma batalha judicial longa e arriscada.
Fernando Mesquita, diretor de Mentoria e Coach do Gran Cursos Online, explica que, para não ser pego desprevenido, o concurseiro deve pesquisar todas regras antes de se inscrever numa seleção.
— A União, os municípios e os estados têm autonomia para legislar, mas devem seguir o que determina a Constituição sobre administração pública e servidores públicos. No entanto, os critérios para tomar posse em um cargo público podem variar de acordo com a legislação específica de cada carreira também. Por isso, é necessário consultar, além do edital, a legislação vigente para obter informações precisas sobre as objeções à posse em um concurso específico. Nesses casos, os candidatos que se sentirem prejudicados podem buscar na Justiça os meios necessários para garantir sua posse — explica.
Ainda segundo Mesquita, existem requisitos comuns a todos os concursos públicos: como a exigência da nacionalidade brasileira, quitação com as obrigações militares e eleitorais, e a idade mínima de 18 anos. Mas outros critérios podem depender da área do concurso e serem menos ou mais polêmicos. Seleções militares, por exemplo, podem estipular intervalo de idade e altura mínima, e fazerem restrição de gênero. Nestes casos, não há espaço para discussão.
— Há discussões na Justiça sobre alguns critérios, que podem parecer polêmicos, mas em geral são devidamente fundamentados. Vale lembrar que toda decisão administrativa é precedida de estudos e justificativas que atestam a pertinência das exigências — afirma o presidente da Comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) São Paulo, Ricardo Ferrari Nogueira.
Em concursos de diversas áreas também são barreiras o acúmulo indevido de cargos: ou seja, para posse na nova posição é preciso abrir mão da anterior. Além disso, a lei que rege os concursos federais, bem como a maioria dos estatutos estaduais e municipais, proíbe que o futuro servidor conste de contrato social de empresa privada como gerente ou administrador. Mas é permitido ser sócio de empresa, por exemplo.
Concursos policiais, militares e de carreiras jurídicas costumam tratar como problema ainda questões sobre a vida pregressa do candidato que desabonem sua conduta, acrescenta Fernando Mesquita. Mas alguns candidatos levam a eliminação à Justiça.
No último dia 16, um juiz autorizou, em liminar, o retorno de um candidato ao concurso para o Corpo de Bombeiros Militar de Goiás, após sua desclassificação em razão de uma multa de trânsito, de 2019, por dirigir embriagado.
A vida pregressa do candidato é investigada
Para averiguar a idoneidade moral e precedentes criminais, é feita uma etapa de investigação social. Condenações criminais ou até inquéritos policiais e ações penais em andamento podem impedir o candidato de assumir um cargo. Segundo o advogado Max Kolbe, já houve concorrente eliminado por processo arquivado — ou seja, sem condenação — 13 anos antes do concurso prestado. O caso foi revertido na Justiça, no entanto.
— Prevaleceu o princípio da presunção de inocência — conta o advogado, que vê como absurda a eliminação de um candidato por ter um processo penal não transitado em julgado ou um boletim de ocorrência em aberto: — Os mais altos cargos da República, como presidente, senador e governador, podem ser exercidos por condenados criminalmente em primeira instância. Então, é um completo absurdo impedir que um candidato exerça um cargo público por responder a um processo. E é bom lembrar que se um servidor for a qualquer momento condenado criminalmente a uma pena acima de quatro anos, já perde o cargo.
O advogado concorda que deve haver uma investigação da vida pregressa do candidato, e que em alguns casos faz sentido embarreirar a sua posse como servidor público, como um homicida que queira ser policial. Mas, via de regra, se o candidato já foi condenado e cumpriu a pena, isso não deveria ser impedimento:
— A definição de pena é ressocializar o indivíduo ao convívio em sociedade. Então, cumprida a pena, está atestado que ele foi ressocializado.
Omitir fatos ou usar informações falsas, envolvimento em jogos proibidos por lei, uso de drogas ilícitas e até condutas e postagens questionáveis em redes sociais podem virar barreiras nesta etapa.
Inadimplência pode ser uma barreira
Vandré Amorim, coordenador da área de Tribunais do Gran Cursos Online, conta que uma decisão de fevereiro do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou decisão de juiz de primeira instância que havia determinado como meio indireto para quitação de uma dívida, entre outras consequências, a proibição de participar de concursos.
— No entanto, não se aplica a qualquer tipo de dívida e também depende de uma decisão judicial, além disso, é preciso que o credor comprove que o inadimplente tem dinheiro para quitar a dívida, mas não o faz. Há um caso específico que são os cargos em bancos estatais, que não permitem a nomeação de pessoas inadimplentes — explica.
Para Ricardo Ferrari Nogueira, da OAB SP, porém, cabe discussão no caso de eliminação por este motivo.
— Acredito haver uma invasão na esfera privada do interessado na vaga — diz.
Edital que pedia exame de HIV foi suspenso
Editais de concursos estão constantemente em discussão. Neste ano, em 30 de abril, seria realizada uma seleção para o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, mas o ajuizamento de uma ação civil pública pelo Ministério Público resultou em uma liminar que suspendeu o certame. Isto porque constava do edital uma cláusula em que era exigida dos candidatos a entrega de exame de sorologia para HIV.
— A exigência da demonstração específica de que não é soropositivo fere a Constituição no princípio da impessoalidade — avalia o advogado Mário Henrique Martins: — É uma cláusula discriminatória, já que não há constatação de que a condição de soropositivo do candidato traria prejuízo para o cargo que ele eventualmente venha ocupar.
Segundo o especialista, é esperado que o concurso seja retomado sem a exigência.
Do EXTRA.