No mês de março deste ano, o governo da Paraíba assinou um documento de desapropriação de cerca de 700 moradias em Rio Tinto, cidade localizada no Litoral Norte do Estado. A ação de desapropriação custou aos cofres paraibanos R$ 23,5 milhões. Essas propriedades pertenciam à família Lundgren, detentora da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT). A família possuía outras fábricas e terrenos entre as cidades de Recife e Rio de Janeiro.
O grupo Lundgren também é responsável por fundar as Casas Pernambucanas, que foi uma importante rede varejista do Brasil. Os ‘Lundgren’ chegaram a ter 6 mil casas também em Paulista, norte de Pernambuco, além de terrenos em Mamanguape e mais de 3 mil casas em Rio Tinto, neste último caso, sendo considerados os fundadores da cidade.
Antes denominada “Engenho da Preguiça”, Rio Tinto tem 24.154 habitantes (segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017), a cidade tem 3.913 domicílios particulares ocupados na área urbana.
A Família Lundgren
A Família Lundgren é de origem sueca e começou seu império na região de Rio Tinto em 1917, finalizando em 1924 sua fábrica, a Companhia de Tecidos de Rio Tinto. Da fábrica, originou-se a cidade, pois antes aquele território era apenas uma pequena vila do município de Mamanguape.
Tamanha era sua influência que Getúlio Vargas visitou apenas Rio Tinto no estado da Paraíba, sendo convidado pela família para um grande jantar no Palacete. Além de moradia, no local funcionava uma espécie de tribunal para que os altos funcionários julgassem os operários e moradores que não obedeciam à ordem estabelecida pela família Lundgren.
Eles conseguiram adquirir a maioria do capital representado por ações da Companhia de Tecidos Paulista em finais de 1902, mas só tomou posse efetiva de sua direção na assembleia de acionistas realizada no dia 20 de fevereiro de 1903, cuja ata foi publicada no Diário Oficial da União, páginas 1.333 e 1.334, edição do dia 31 de março de 1903.
Herman Theodor Lundgren, junto aos filhos Frederico e Arthur, fundou, em Pernambuco, a dinastia de empreendedores responsáveis pelas Casas Pernambucanas, sinônimo de indústria e comércio de tecidos populares em todas as regiões do Brasil.
Os funcionários que trabalhavam para as empresas da família não poderiam manifestar descontentamento ou reclamar de falta de direitos, pois eram reprimidos pelos líderes, chegando até mesmo a serem demitidos e proibidos de transitarem pela cidade.
Antes da entrada do tecido fabricado pela China e importado para o Brasil, a fábrica de Rio Tinto, especificamente, foi fechada por conta dos sucessivos problemas sindicais. Após a entrada dos insumos originários da China (bem mais baratos que os insumos nacionais), as empresas faliram, nos anos 90, com a abertura do governo Collor. As lojas foram mantidas, funcionando com a demanda do tecido importado, o que gerava mais lucro.
Moradores
As casas foram construídas para que os operários tivessem onde ficar para trabalhar na fábrica. Eles pagavam uma espécie de ‘aluguel’ para ter direito à moradia. Aos poucos o local foi crescendo, ganhando outros comércios e até um hospital.
Com a desativação da fábrica, o valor do aluguel continuou sendo pago pelos moradores que permaneceram no local.
Por isso, Rio Tinto é apelidada de “cidade privada” por seus moradores, uma vez que praticamente todos pagavam aluguel até a desapropriação. Segundo o advogado da companhia, Virginius Lianza, a taxa paga pelas famílias é de “baixo valor”, chegando a custar R$ 80.
A desapropriação
De acordo com o documento de desapropriação, os critérios para distribuição das casas são: 1) residir há, pelo menos, 5 anos em Rio Tinto; 2) não possuir imóvel próprio e se encontrar em moradia de aluguel na data do decreto; 3) receber até três salários mínimos de renda; 4) por fim, estar assentada em áreas exclusivamente residenciais.
Hoje já existe um processo tramitando na Justiça, onde os indígenas Potiguara da região reivindicam a posse de 2 mil moradias, localizadas na “Vila Regina”. De acordo com Ministério Público Federal (MPF), a ação envolve mais de 3 mil moradias, somente em Rio Tinto.
O evento de assinatura do decreto de desapropriação dos imóveis em favor das 700 famílias residentes em Rio Tinto contou com a participação do governador do Estado, João Azevêdo (PSB), a presidente da Cehap, Emilia Lima, Magna Gerbasi (PP), prefeita de Rio Tinto; Adriano Galdino (PSB), presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, deputados estaduais e vereadores do município.
Nos dias de hoje
A fábrica encontra-se desativada e nas antigas instalações funciona a Policlínica Rio Tinto, uma pequena fábrica de toalhas e um campus da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Os trabalhadores que não tiveram condições de sair da cidade, muitos deles indígenas que moravam na região quando foram ‘empregados’, continuaram a pagar aluguel.
Existe um movimento intitulado ‘Liberta Rio Tinto’, que foi fundamental para que a ação de desapropriação acontecesse, e surgiu como uma forma de lutar contra ações de despejo movidas pela Companhia de Tecidos de Rio Tinto.
O líder comunitário, Nildo Oiteiro, explica que tudo começou quando famílias, residentes na comunidade tradicional quilombola ‘Oiteiro’, receberam uma ordem de despejo das casas onde moram há várias gerações. A partir daí, originou-se o movimento “Oiteiro Resiste”, que lutou na Justiça pela posse das casas e foi vitorioso em 2017.
“Quando a gente ganhou a liminar na Justiça, a gente criou o Movimento Liberta Rio Tinto, a partir das reuniões em Oiteiro. Justamente levando essa ideia de força de que se oito famílias conseguiram vencer, a gente entendia que a cidade também tinha que se movimentar e lutar pelos direitos dela”, disse.
“Boa parte da cidade entende que essas casas são suas, pois fizeram manutenções ao longo dos anos. Quando a fábrica faliu, eles não receberam direitos trabalhistas. As pessoas querem liberdade, mas não podem fazer nada com as casas porque ainda são legalmente da Companhia”, afirmou Oiteiro.
Atualmente, a Companhia de Tecidos Rio Tinto S/A atua no setor imobiliário, a partir do gerenciamento desses bens que estão espalhados por alguns locais do Brasil. A empresa possui ações de diversos grupos, já não apenas de seus fundadores.
Desde 2017, seu plano de gestão é negociar para que os moradores de Rio Tinto adquiram os imóveis que ainda estão sob posse da Companhia, sem que a empresa comprometa o funcionamento de suas atividades.
Essa atual política da associação vem realizando a venda de casas para muitas famílias da cidade paraibana. Segundo o advogado da companhia, Virginius Lianza, a negociação com o governo do estado diz respeito a contemplar a parcela da população que não possui condições financeiras para realizar a compra dos imóveis. Ainda segundo o advogado, o projeto da empresa é “continuar a negociação para beneficiar toda a sociedade de Rio Tinto”.