A defesa do empresário Roberto Santiago pediu à justiça estadual da Paraíba a anulação de provas e da ação movida contra ele na Operação Xeque-Mate, deflagrada pela Polícia Federal em 2018.
Baseado em um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o compartilhamento de relatórios do Conselho de Controle e Atividades Financeiras (Coaf), sem prévia autorização judicial para uso em investigações criminais, como ocorreu no caso de Santiago, os advogados do empresário entraram com o pedido no dia 27 de maio. Conforme a defesa, houve descumprimento das regras fixadas pela corte em 2019.
Na solicitação apresentada à Justiça, o relatório do Coaf que tem como alvo Roberto Santiago e foi a base da investigação seria nulo, tornando todo o caso, somente em relação ao empresário, nulo também. Caso a Justiça entenda que o relatório é inválido, a defesa pede que o nome de Roberto Santiago seja retirado da operação, entretanto a xeque-mate seguiria com os outros investigados.
De acordo com as regras fixadas pelo Supremo em 2019 e confirmadas no fim de março de 2021 com a finalização do processo no STF, no chamado “trânsito em julgado”, os investigadores podem usar este tipo de relatório, desde que haja uma formalização – a ideia é que isso possa depois ser fiscalizado, como forma de evitar abusos. Por exemplo, um relatório pode ser feito por encomenda em busca de pistas e só depois é iniciada a investigação, sem indícios, como os advogados dizem ser o caso de Roberto Santiago. Os ministros do Supremo chamaram isso de pescaria (Fishing expedition): você pede as informações e depois vê se há algo para pescar que renda.
Em 2019, quando o ministro Dias Toffoli definiu as regras, resumiu da seguinte forma: formalizar os pedidos era uma maneira de garantir investigações mais sólidas e o direito das pessoas à intimidade: “Tudo documentado, tem que ficar tudo documentado. E-mail não, WhatsApp não, isso é para quem tem preguiça de fazer ofício. Estamos falando da vida e da intimidade de pessoas”, disse no julgamento.
Contudo, a defesa do empresário apontam que não há na investigação, desde 2018, e nenhuma formalização para a devassa na vida financeira de um dos maiores empresários da Paraíba.
“Não se sabe a fundamentação da solicitação, nem o teor da resposta da UIF, quais as datas do pedido e do envio, se houve complementação, se o sigilo foi garantido, se os interlocutores foram certificados, enfim, nada disso é possível verificar. Há um fluxo intenso de informações financeiras sigilosas entre agentes estatais que está totalmente à revelia de controle jurisdicional. Os registros de comunicação entre autoridade policial e COAF foram sonegados não só da defesa, mas também do Poder Judiciário, impedindo a conferência sobre os aspectos elencados acima”, escrevem os advogados de Santiago, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
Também são apontadas outras irregularidades, como indicativos de que um dos relatórios do Coaf tenha sido requerido antes mesmo da investigação criminal ser aberta. Em outras palavras, a investigação teria iniciado sem indícios e o relatório foi usado para justificar a ação. Os advogados também sustentam que a Polícia Federal não tinha atribuição para proceder com o caso.
A denúncia se baseou em inquérito formalmente instaurado em 06 de março de 2017 pela PF, após recebimento de denúncia anônima. Segundo essa denúncia, Leto Viana, então vice-prefeito de Cabedelo, teria pago R$ 1 milhão ao então prefeito, José Maria de Lucena Filho, o Luceninha, para que renunciasse ao seu cargo.
Santiago, por meio de sua empresa, teria cedido os valores usados na hipotética compra de mandato para que Leto Viana obstruísse a construção do Shopping de Intermares, de um grupo concorrente ao do empresário.
A defesa argumenta que os crimes citados na denúncia não eram federais, mas, mesmo assim, a PF abriu a apuração e a manteve consigo, o que na prática mostra que a investigação teve uma falha na origem. Para isso, a PF alegou que havia suspeitas de que Leto Viana havia praticado evasão de divisas ao exterior. A única prova apresentada foi uma lista de viagens do ex-vice-prefeito aos Estados Unidos. O curioso é que o próprio delator admitiu que antes procurou o Ministério Público da Paraíba, que é onde deveria ser o caso.
A fragilidade da denúncia a fez ser descartada da apuração mas, serviu como início de apuração. Detalhe: a evasão de divisas seria de Leto, e não de Roberto Santiago. Mesmo assim, houve uma devassa na vida financeira do empresário por parte da Polícia Federal.
“Repita-se: uma denúncia anônima e uma relação de viagens ao exterior, cujo somatório não ultrapassa uma por ano, foram suficientes para a Polícia Federal requerer ao COAF o envio de relatório de inteligência financeira! Ora, de antemão, já se percebe que não havia indício algum de crime para que a autoridade policial formulasse tal solicitação ao Coaf, medida de extrema gravidade, que, em certo grau, implica supressão do sigilo financeiro”, afirmam os defensores de Santiago.
Também no ano de 2019, o Supremo determinou que, para a solicitação por parte dos órgãos de investigação criminal de dados ao Coaf, é preciso haver um elo entre as informações pretendidas e a apuração em curso. Todavia, um dos relatórios demandados pela PF foi elaborado apenas cinco dias após a instauração do inquérito, o que indica que foi solicitado informalmente antes da abertura do caso.
“Portanto, sendo certo que o RIF fora solicitado pela Polícia Federal antes da instauração de inquérito, tem-se que a hipótese descumpre com o acórdão do RE 1055941 [do Supremo], na medida em que falta um procedimento investigatório prévio para o qual se pretende utilizar as informações financeiras”, diz a peça assinada pelos advogados.
Confira a íntegra do documento: