Uma semana depois de os ministros brasileiros Ernesto Araújo e Damares Alves irem a tribuna da ONU afirmar que o governo federal faz sua parte para combater a pandemia da covid-19, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recebe denúncias de “genocídio” contra Jair Bolsonaro por parte dos indígenas.
Algumas das principais entidades que representam povos indígenas no Brasil declararam que há uma “política de extermínio” e o “genocídio” promovidos pelo governo Bolsonaro. Embora não resultem em uma ação imediata pela comunidade internacional, as queixas aprofundam o constrangimento internacional do Brasil e, segundo diplomatas estrangeiros, evidencia que o discurso oficial dos representantes brasileiros vive “uma crise de credibilidade”. “A pressão é grande sobre o Brasil neste momento”, admite um representante de um governo europeu.
A denúncia foi apresentada ao Conselho de Direitos Humanos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pelo Conselho Indigenista Missionário. Também patrocinaram a queixa o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Associação Brasileiras dos Gays Lésbicas e Transgêneros, Terra de Direitos e pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).
A mensagem foi dada por Luiz Eloy Terena, advogado da APIB. “Temos vivido um momento muito sério em nosso país. O atual governo brasileiro implementou uma política indigenista que é extremamente prejudicial aos povos indígenas”, alertou, apontando para a invasão de madeireiros e garimpeiros.
Mas, novamente, foi a questão da pandemia que dominou o alerta. “O vírus está matando nossos anciãos. Na semana passada, perdemos os últimos indígenas Juma. Essas são culturas e línguas que nunca recuperaremos”, lamentou. Segundo ele, 114 grupos indígenas isolados e recentemente contatados que estão em perigo.
“O governo brasileiro e seus agentes devem ser responsabilizados. Estamos diante de uma política de extermínio indígena no Brasil. Portanto, pedimos a sua ajuda para deter o genocídio indígena no Brasil”, completou.
A denúncia dos indígenas ainda foi apoiada por grupos como Coletivo Intervozes, Criola, Fórum das Comunidades e Povos Tradicionais do Ceará, Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Instituto Cigano do Brasil, Movimento Nacional de Direitos Humanos, pela Rede de Cooperação Amazônica e pelo Instituto Iepé.
Entidade religiosas como Vivat International, Franciscans International e Red Iglesias y Mineria pediram na reunião do Conselho que os responsáveis pela “política negacionista” do governo sejam identificados. Segundo o padre Dario Bossi, foi a falta de medidas de controle que levou a variante do vírus surgido em Manaus a chegar no Peru e Colômbia.
“Sob o argumento de “salvar a economia”, não foram estabelecidas suficientes medidas de isolamento, nem a suspensão de serviços não essenciais”, disse o religioso. “A posição negacionista do presidente da República chegou ao nível de desestimular o uso de máscaras e recomendar tratamentos químicos preventivos ineficazes e perigosos para a saúde”, insistiu, em seu discurso. “Denunciamos o descaso do Estado e solicitamos a identificação das responsabilidades do poder público”, pediu.
Coalizão desmente ministra e embaixadora
Na semana passada, Damares Alves foi criticada após declarar que o governo estava “garantindo” a vacinação para idosos, indígenas e profissionais de saúde. Ao ser questionada por uma carta enviada por mais de 60 entidades brasileiras, a ministra respondeu pelas redes sociais: “Ok. Sem novidades. Próximo”.
Um dia depois de o país registrar um número recorde de mortes pela covid-19 e de o presidente Jair Bolsonaro questionar o uso de máscaras e o distanciamento social, o Itamaraty ainda disse na ONU na sexta-feira (26) que o Brasil vem adotando “medidas consistentes” para lidar com a pandemia.
O comentário ocorreu num discurso da embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, que estava rebatendo críticas da ONU sobre o país.
“Apesar dos contínuos desafios mundiais, o Brasil implementou medidas consistentes para enfrentar a pandemia da covid-19, de acordo com as prerrogativas federais, estaduais e locais”, declarou a diplomata.
Falando em nome de 30 organizações da sociedade civil no Brasil, o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos explicou que, no final de 2020, a coalizão lançou um relatório que denuncia a situação dos direitos humanos no Brasil durante a pandemia.
“Foram avaliadas 200 recomendações, das quais 142 foram avaliadas como não implementadas, 64 em regressão”, disse Fernanda Lapa, do Instituto de Direitos Humanos e Desenvolvimento.
“Hoje, a situação não melhorou em relação às vacinas e à assistência emergencial, acesso desigual relacionado ao gênero e à raça e violência contra jornalistas e comunidades tradicionais”, disse a representante.
“Gostaríamos de chamar a atenção que esta sessão (do Conselho) começou na segunda-feira com nossos representantes afirmando que o Brasil é uma referência mundial no combate à pandemia”, afirmou Fernanda Lapa.
“Uma declaração ousada para um país com hoje um dos maiores números de contaminação e morte pela covid-19. Já atingimos a marca de 250.000 mortes, e nossa média está acima de 1.000 mortes por dia por mais de um mês. Isso está longe de ter uma pandemia sob controle”, apontou a representante.
“É por isso que pedimos gentilmente a este Conselho que procure informações mais precisas a partir de nossos relatórios da sociedade civil que garantimos serem mais coerentes”, apontou.
A pressão sobre o governo não terminou. Pelo menos mais cinco declarações serão feitas contra o Brasil ao longo dos próximos dias. O Itamaraty promete responder.
UOL